A beleza do atacarejo

Ele pode não ser o canal mais atrativo para o setor de beleza, mas o Cash & Carry é uma realidade para o qual a indústria não pode virar os olhos

 
Nenhum formato de varejo avançou tanto no Brasil nos últimos anos como o Cash & Carry, também conhecido como atacarejo, modelo introduzido no País no início dos anos 1970, com a chegada da rede holandesa Makro e pensado para atender às demandas de abastecimento de pequenos comerciantes, como donos de restaurante e de mercearias. Mas o formato sempre atraiu consumidores que enxergavam nele um destino para compras de abastecimento extremamente racional.
O atacarejo é um canal orientado por economia desde a sua concepção, toda ele pensado para rodar com custos operacionais bem menores que os hipermercados. O consumidor que vai ao Cash & Carry não espera (ou não deveria esperar) uma grande experiência de compras – no sentido mais bonito com que os consultores de varejo utilizam o termo hoje. As lojas são grandes e simples e em muitos aspectos se parecem com um grande estoque (ou um pequeno centro de distribuição). Ao invés de gôndolas organizadas, grandes prateleiras exibem produtos em packs com grandes quantidades ou mesmo em suas caixas de transporte, que podem ser retirados pelo cliente diretamente.

De acordo com o 44º Ranking de Supermercados da publicação especializada Supermercado Moderno, o Cash & Carry teve alta real (descontando a inflação) de 3,2% em 2014 e atingiu faturamento de R$ 34,1 bilhões.

No conceito ‘mesmas lojas’, o atacarejo foi o formato que mais elevou as vendas, de acordo com a pesquisa.

O avanço recente do Cash & Carry junto aos consumidores brasileiros não é um movimento que nasceu da noite para o dia. Desde o final da década passada que o canal vem conquistando consumidores. Foi um dos que melhor aproveitou o avanço da classe C (até bem pouco tempo chamada de nova classe média) nos anos de bonança da economia brasileira. Com o sucesso, os operadores deste canal viraram alvos de aquisição por parte dos grandes grupos varejistas, o Atacadão foi comprado pelo Carrefour em 2007 e, no mesmo ano, o Pão de Açúcar comprou 60% do Assaí (os outros 40% foram adquiridos em 2009). Na mão dos maiores grupos varejistas do País o formato ganhou fôlego e vem se expandindo aceleradamente. Quando foi comprado, o Atacadão operava 34 lojas. Hoje são mais de 100 pontos de venda num negócio que é tão grande para a empresa francesa no Brasil quanto a rede de hipermercados com a sua bandeira. No caso do Assaí, em 2007, a bandeira tinha 14 lojas no estado de São Paulo e hoje soma 87 portas, em 12 estados diferentes. “Quem tem crescido é justamente por meio da abertura de lojas. Apesar de todo este crescimento apontado, o Cash & Carry ainda se concentra muito nas capitais dos estados e há poucas no interior”, diz Marco Antonio Giorgi, analista de mercado da Nielsen, empresa de consultoria que audita os resultados de diferentes canais de varejo.

Por todas as oportunidades que ainda existem, o Cash & Carry continua sendo um foco de expansão para as grandes redes do varejo alimentar. Primeiro, porque o canal vem ganhando espaço na cesta de compras dos brasileiros, de todas as classes, e não mais concentrado na classe C, como acontecia anos atrás.
Além disso, o custo de operação de uma loja de atacarejo costuma ser de menos do que a metade na comparação com um hipermercado tradicional e vendas por metro quadrado muito maiores. As margens são esguias sem dúvidas, mas, com a economia patinando, é mais difícil alcançar o ponto de equilíbrio necessário para que o hipermercado entregue essa margem. E o consumidor, com menos dinheiro no bolso, correu para essas lojas em 2014.

Dinheiro curto, compra inteligente
É inegável que a crise econômica, que vem esvaziando o bolso do consumidor pelo menos desde o final de 2012, jogou mais luz sobre o canal. Não que ele seja a solução para todos os consumidores, longe disso. Para o consumidor comum, o Cash & Carry é um canal para compras de abastecimento – aquelas onde se compra grandes quantidades do mesmo produto, para estocar por um período maior de tempo. Por isso, as cestas de consumo onde o canal tem a sua maior penetração são a de higiene doméstica e mercearia seca, de acordo com a medição realizada pela empresa de pesquisa Kantar Worldpanel. São categorias de produtos de uso regular, na qual uma grande parcela dos consumidores é fiel a uma marca ou direcionada por preço.

Mas a cesta de perfumaria também se destaca no canal, de acordo com a pesquisa de painel de lares da Kantar. Em um ano, o nível de penetração do canal nas compras da categoria saltou de 22,75% para 27,5%. A participação do atacarejo na cesta de compras de artigos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, considerando os 12 meses encerrados em junho de 2015, foi de 7,8% em volume e de 6,1% em valor. Pode parecer pouco, mas em valor, foi o canal que mais ganhou participação, 1,5 ponto percentual, na comparação com os 12 meses encerrados em junho de 2014.

Já os dados da Nielsen, que faz o seu levantamento a partir da apuração das vendas diretamente dos check-outs dos varejistas, mostram a categoria de higiene e beleza como a quem mais cresceu na cesta de compras só Cash & Carry. E, por esses números, a participação do setor avançou pela agregação de valor. Para os 12 meses encerrados em abril de 2015, a cesta avançou 14,8% em reais, frente a um aumento modesto de 1,2% no volume de unidades vendidas.
Em ambos os casos, o driver de crescimento é quase que exclusivamente os produtos de higiene pessoal. Sabonetes, papel higiênico e creme dental são os produtos com maior penetração dentro do canal, segundo a Kantar, todos ao redor dos 20%. “Neste canal tem-se comprado sabonete, com aquelas embalagens enormes de barras e refil de líquido”, reforça Gabriela Fujita, gerente de atendimento da Kantar, para quem, os resultados obtidos nos últimos três anos, mostram que este é um formato que acabou dando certo. Categorias como desodorantes, shampoos e pós-shampoos, além de fraldas, absorventes e lâminas de barbear também se destacam, como nível de penetração acima dos 10%. Todas essas categorias ampliaram a penetração em pelo menos um ponto percentual ao longo dos últimos 12 meses, sendo que os sabonetes ganharam quatro pontos percentuais e os desodorantes mais dois. De acordo com os dados da Nielsen, a categoria de desodorantes cresceu impressionantes 25% em valor (24% em volume), nos 12 meses encerrados em abril de 2015. Para a executiva da Kantar, além da racionalidade que o formato impõe na conta de volumetria versus preço, o canal também oferece produtos de qualidade. “Não são só as marcas próprias que estão crescendo ali. Vemos marcas tradicionais que começam a valer o que custam pelo tamanho de embalagem. É um canal que trabalha muito bem categorias de cuidados pessoais básicos. Por isso é que vemos o atacarejo com um bom destaque”, emenda. Marcela Viana, analista de pesquisa da consultoria britânica Euromonitor, destaca também as embalagens em formatos maiores para produtos como shampoo e enxaguatórios bucais que possuem um foco bastante interessante para o canal, já que o principal foco deles é o preço competitivo. “Realmente alguns itens têm ido muito bem no atacarejo, em especial aqueles que têm uma abrangência em termos de uso para toda a família. O enxaguante bucal é um produto que toda a família pode usar o mesmo, então, o benefício que as grandes embalagens proporcionam é um grande atrativo”, diz. Os dados da Kantar ajudam a exemplificar o avanço da categoria de higiene oral apontado por Marcela. A penetração dos Antissépticos bucais no canal avançou 0,57 ponto percentual, para 3,45%.

É pouco? Sim, mas considerando o mercado como um todo, essa categoria viu a minguada penetração de 29,61% cair mais de um ponto percentual, para 28,49%.

Criando o ambiente certo
“Pensando na execução destas lojas, o foco tem sido mais a parte de higiene do que a parte de beleza. Acho que isso pela própria opção de compra do canal, de ser um canal para abastecimento”, explica Marco, da Nielsen. Se o caminho para os produtos básicos de higiene pessoal no Cash & Carry parece dado, quando o assunto envolve categorias com apelo de beleza, os desafios são de outra natureza. A começar pelas fraquezas do canal em relação à demanda de boas partes dos consumidores.

De acordo com as pesquisas da Kantar, para os consumidores brasileiros, ter lojas com ambientes especiais e seções de produtos com temas específicos é importante ou muito importante para mais de 75% dos entrevistados. Já ser o canal que primeiro apresenta novidades e lançamentos, é importante ou muito para mais de 60% da população. Essas são demandas que se alinham perfeitamente com o dinamismo e o glamour do mercado de beleza, mas não são as características mais inerentes ao atacarejo, que prioriza marcas consagradas ou de primeiro preço e não costumam ter a agilidade para acompanhar a velocidade com que os produtos de higiene pessoal e beleza são apresentados ao mercado. “Esses varejistas nem sempre tem uma variedade de produtos e de marcas tão expressivas. Eles focam em alguns produtos estratégicos e algumas marcas. Por exemplo, em produtos para o cabelo, ele terá no máximo cinco marcas e basicamente shampoo e condicionador, ele não terá toda a linha de tratamento ou marcas premium, justamente porque o foco dele é ser econômico”, lembra Marcela, da Euromonitor.

Mas o avanço de categorias e marcas com perfil mais de cosmética e menos de higiene pessoal, não é impossível, até pelo exemplo do que acontece em outros segmentos neste canal, como a própria área de Alimentação e Bebidas, que começa a explorar ambientações e áreas mais específicas dentro das lojas do canal. “Quando olhamos para Alimentos e Bebidas, vemos produtos até mais sofisticados, com ambientação. Na parte de beleza, temos isso bem menos explorado. Esta é minha percepção”, diz Gabriela, apontando aí um caminho para o setor de beleza se desenvolver dentro do atacarejo. “Este canal pode oferecer produtos de beleza um pouco mais sofisticados, como um creme corporal, um shampoo mais diferenciado. A gente sabe que esse portfólio ainda não está lá, porém creio que haja esta oportunidade”, aponta.

O crescimento expressivo do atacarejo – não só pela abertura de novas lojas, mas também pelo crescimento orgânico – mostra que, de um jeito ou de outro, o canal consegue ofertar um mix em linha com o que o seu consumidor precisa hoje: custo-benefício para uma compra de abastecimento de maior volume. Mostra também que o canal tem se organizado um pouco mais, por estar mais próximo do consumidor final.

“Enfim, bem ou mal, acho que a indústria está aprendendo sim a lidar com o canal. E a categoria de beleza, como um todo, pode pegar carona no crescimento do canal e, a partir do momento em que a indústria (de perfumaria e cosméticos) trabalhar a execução neste tipo de loja, isso tende a crescer também”, completa Marco, da Nielsen.

Hoje, pode até ser difícil imaginar ilhas dedicadas, ou algum material de merchandising de marcas de beleza em categorias cosméticas, como cuidados com a pele, ou mesmo, de tratamento capilar. Mas, quando lembramos que até pouco tempo atrás, quando o e-commerce ainda engatinhava, era comum o prognóstico que as pessoas não comprariam perfumes e maquiagens pela internet, no máximo usariam esse novo canal para fazer compras de reposição, dá para acreditar que a beleza pode sim criar um cantinho bonito e eficaz dentro do Cash & Carry.
 

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