Beleza é o que ele faz

Artur Grynbaum, presidente do Grupo Boticário, fala como uma pequena farmácia de manipulação se transformou numa referência planetária de fabricação e comercialização de perfumaria e cosméticos, com toda a naturalidade do mundo, dedicando-se a fazer sempre o melhor


Aos 35 anos, O Boticário é uma empresa definitivamente madura. E, o que é mais importante, altamente desprovida dos maneirismos que a maturidade costuma trazer, tais como a cautela engessante e a vontade incontida de deitar na zona de conforto do berço esplêndido, para contabilizar louros e “não mexer no time que está ganhando”, só para citar dois dos mais perniciosos.  Ao contrário disso, as três décadas e meia atingidas pela empresa – desde 2010 parte integrante de um “todo” bem maior, o Grupo Boticário – servem ao mesmo tempo como registro e como antevisão de constantes mudanças, sempre para melhor.
A inovação verdadeira, e não apenas aquela convenientemente escorada em palavrórios vazios, faz parte do DNA do Grupo. O mesmo acontece com sua capacidade de ser multiversátil em termos de aproveitamento de oportunidades de negócios, e que o faz ter sob um mesmo guarda-chuva modalidades tão díspares de approachs de mercado – O Boticário, no canal de franquias; Eudora, na venda direta; quem disse, berenice?, numa nova proposta de comercialização da maquiagem no varejo; e The Beauty Box, no varejo multimarcas, além da Skingen, uma versão moderna da farmácia de manipulação –, criadas e geridas para, sempre, gerar resultados surpreendentes. E são esses atributos, justamente, que insuflam em seus pulmões, de maneira constante, renovados ares capazes de fazer o Grupo Boticário vislumbrar possibilidades inéditas, num quadro de expectativas virtualmente infinito.
Não pensem os menos avisados, no entanto, que a história do Grupo Boticário se construiu de afogadilho, no afã de aproveitar oportunidades. “Cautela” poderia muito bem ser o sobrenome do conglomerado criado a partir de uma farmácia de manipulação em Curitiba e que, hoje, ganha o reconhecimento e o respeito do mercado mundial, incluindo-se aí não apenas consumidores, mas também concorrentes, entre os quais se alinham gigantes multinacionais.
“Formatamos o Grupo em 2010, aos 33 anos de atividades d’O Boticário. Ao longo desses anos todos, surgiram inúmeras oportunidades de multiversarmos nossos negócios, seja no que dizia respeito a construirmos outra marca ou entrar em outros setores ou canais, fazendo uso do nosso know-how. Mas nós nunca quisemos. A gente sempre quis criar uma operação de referência, que fosse benchmark mundial em cosméticos e franquia, como é o caso d’O Boticário. Ao mesmo tempo, a questão da consistência, de uma proposta correta de valor, tinha que estar cada vez mais arraigada. Só depois de sentirmos que tínhamos isso é que nos sentimos à vontade de dar vazão ao nosso DNA  empreendedor e partir para a busca de novidades. Começamos a olhar para coisas que não faziam muito sentido dentro d’O Boticário, mas que eram boas teses, boas apostas para se fazer”, explica Artur Grynbaum, presidente do Grupo Boticário e um dos principais artífices das recorrentes vitórias alcançadas pelo conglomerado.

Diversificação irresistível
Não é por acaso, então, que o momento de criação do Grupo Boticário coincide com a conquista do equilíbrio na trajetória da organização entre um nível de serviço superlativo e de qualificação de operação, no sentido estrito do conceito. Para seguir em frente rumo ao futuro, ela lançou mão de um de seus mais diferenciados e caros patrimônios: o material humano que tinha à disposição.

Assim, somando uma gigantesca série de competências, ao longo de sua trajetória, a empresa aprendeu sobre cosméticos, varejo, logística, e como gerir marcas juntando referências, que lhe permitiram alçar novos voos, facilitados, é claro, pelo bom momento do mercado brasileiro, marcado pela estabilidade da economia e pela entrada de novos consumidores. “Ficou meio irresistível partir para a construção de novas unidades”, confessa Artur, desnecessariamente frisando que a chegada destas e a formatação do Grupo não se deu, de forma alguma, por conta de alguma “baixa” no desempenho d’O Boticário. “Muito pelo contrário, para nós ficou muito evidente que tínhamos que continuar investindo, com muito prazer, a fim de aproveitarmos as novas oportunidades”, argumenta.

Esse desejo, aliás, tem tudo a ver com a visão do Grupo Boticário, que é a de participar de negócios nos quais pôde agregar sua experiência e valor ao negócio. E isso, naturalmente, com foco na beleza, que é a célula máter de sua longa trajetória empresarial. “Beleza é o que a gente faz. E tudo o que diz respeito à beleza são temas que despertam a nossa atenção”, reforça Artur.

Empresas e marcas como Eudora, quem disse, berenice? e The Beauty Box estão aí para comprovar essa assertiva. Porém, nem sempre a relação é tão direta assim. Haja vista o exemplo da Scalina, marca de lingeries que está sob o guarda-chuva do Grupo. “Julgamos a plataforma de negócios interessante, por se tratar de itens complementares de beleza, que podem ser naturalmente agregados à cesta de compras da consumidora”, ressalta o presidente do Grupo.
Seja como for, quando a proposta cai para a realida, Artur afirma que como as marcas são novas, o trabalho é conferir-lhes personalidade própria, sem realizar nenhum cruzamento entre elas, nem mesmo internamente. Por isso, as equipes de Desenvolvimento, Branding, Comunicação e Marketing são, propositalmente, separadas. Seus profissionais se reúnem, no máximo, para trocar informações sobre melhores práticas. E, na ponta, o grupo procura manter essa diferenciação também.

“O que elas têm em comum é o selo de origem. Do Grupo Boticário, que representa para o consumidor, qualidade, tradição de servir bem, produtos inovadores. Daí para frente, cada marca tem que construir a sua história”, pondera Artur.

Agilidade que faz a diferença
Diante de tanta movimentação, entretanto, a pergunta que não quer calar é: será que o Grupo Boticário não cresceu demais? Será que a empresa não vai ficar engessada, perdida em processos e discussões infindáveis?

A resposta, segundo Artur Grynbaum, é um sonoro “não”. “Manter a velocidade do nosso crescimento   para mim é fundamental. E não é de hoje. O mercado é dinâmico e ultracompetitivo. Então, não tem como a gente ficar ‘lento’. Isso é um desafio constante para nós, e quando a coisa aperta, a gente coloca mais gente no processo. Simples assim”, resume.

Nesse cenário, definitivamente, burocracia não tem vez. Aliás, a empresa e seus dirigentes são vacinados contra ela. Artur ilustra esse estágio com o exemplo de uma colaboradora recém-chegada ao Grupo, vinda de uma multinacional que operava num outro segmento industrial. Num dado momento, ela precisou de uma aprovação de algo fora da alçada dela, um valor diferente. Assim, ela foi procurar a diretora d’O Boticário, Andrea Mota, para saber como proceder. Andrea a levou até a sala de Artur, expôs a questão e em três minutos a executiva saiu com a aprovação. “Nossa agilidade é isso. A nossa Nova York é aqui. Estamos sempre acompanhando o processo e temos um time que decide rápido e junto, sempre que possível”, pontua Artur.

Mas nem de longe isso é um sinal de presunção. Ciente de que numa empresa ninguém pode ser dono da verdade, o Grupo tem sempre como bem-vinda a visão outsider. “Trazemos sempre gente de fora, sim, e isso é muito rico. Todo mundo pode sempre aprender mais. É claro que temos nossas crenças e valores. Isso é inegociável. Mas a gente está sempre disposto a escutar novas  ideias, e novos formatos para realizar as coisas. E esse é o blend adequado, onde você tem muito claro quem você é, e onde você está parado, e a forma de você poder fazer evoluções trazendo novas iniciativas, novos formatos onde você tem que avaliar dentro da sua visão de grupo, para ver se está dentro”, define o presidente.

Transparência acima de tudo
Buscando sempre as melhores práticas de gestão, o Grupo Boticário também é muito transparente com seus parceiros, quer sejam eles franqueados, revendedores, fornecedores ou a própria sociedade. Exemplo disso, é que mesmo sendo uma organização de capital fechado, ela faz questão de trazer seus fornecedores uma vez por ano para São José dos Pinhais para mostrar-lhes a estratégia do Grupo, a fim de que eles entendam qual a melhor forma de acompanhá-la. Da mesma forma, ela senta com os  colaboradores para apresentar os resultados e com sua rede de franqueados, para compartilhar suas práticas arrojadas, num processo que fortalece crenças, traz governança e oferece a todos uma visão muito clara do ponto de chegada e, o que também é importante, da velocidade dos encaminhamentos, a fim de que todos cheguem a ele de maneira sincronizada.

Naturalmente, quando se aumenta o número de pessoas envolvidas no desenvolvimento da empresa, a questão da cultura acaba se tornando um grande desafio. O jeito de vencê-lo – e que manteve O Boticário e, agora, o grupo coeso ao longo de mais de três décadas e meia – é, também, o exercício da transparência. E isso, não raro cobra o preço de uma mudança de rumo, em função das mudanças de mercado e da própria vida das pessoas. “Antes, a gente era ‘mono’ em tudo: monomarca, monosite, monocanal, mononegócio... Agora é a gente é multi: multimarca, multicanal, multisite, multinegócio... Então, a gente tem que aprender a viver nessa nova realidade, sem abrir mão das nossas crenças”, resume Artur.

Na empresa desde 1986, Artur Grynbaum conhece muito bem o peso da comunicação nesse processo de aculturamento de seus colaboradores. Consciente, ele tem bem claro, por exemplo, que quando se está à frente de um negócio há tanto tempo existe uma diferença marcante entre o jeito que funcionários mais antigos e os novos colaboradores assimilam a missão da empresa. No caso dos últimos, é preciso fazer uma “tradução” desses conceitos.

E o presidente do Grupo Boticário encara como estimulante essa proposta, principalmente quando se cria um negócio a partir do zero, como foi o caso da Eudora e da The Beauty Box, só para citar cases recentes. “É muito bom ter essas várias e contrastantes personalidades interagindo quando se cria um novo negócio. Você acaba aprendendo muita coisa com elas também. Na outra mão, você tem que ter sempre a preocupação de comunicar para seus colaboradores mais antigos que o patamar da empresa e do Grupo mudou. O crescimento é outro, o grau de complexidade é outro, e nós temos que estar preparados para o que vem pela frente”, situa.

Tal cuidado ganha dimensões ainda mais expressivas quando se tem em mente que o jogo que se joga no Brasil no setor de perfumaria e cosmético, não é para amadores. Ou seja, não há “almoço grátis” para ninguém. E isso, não é de hoje. “Trata-se de um jogo que tem que ser jogado de forma correta, profissional, bem trabalhado com pessoas competentes. E a gente está bem inserido nesse contexto. Ao longo de nossa história sempre fizemos isso”, afirma, convicto, Artur.

Varejo no sangue
Embora a pluraridade de plataformas seja uma realidade marcante na atual fase do Grupo Boticário, inegável que o sucesso da organização se deu a partir de uma história de amor e respeito pelo varejo. “Sempre fui mais ligado ao varejo. Meus pais tinham loja de confecção, e eu vivia lá. Sou apaixonado pelo varejo. O Miguel também tem um pouco dessa formação. Assim, nós dois passamos parte das nossas vidas nas lojas dos nossos pais. Então, pudemos entender como é essa dinâmica de atender o consumidor, fazer o pós-venda, a importância da relação com o cliente... Há muito tempo eu falava, varejo ainda vai ter marca neste País. E o pessoal me dizia que eu era louco, que quem tinha marca era a indústria. E a gente conseguiu provar o contrário”, comemora Artur, evidenciando que essa é uma questão bastante antiga para o Grupo Boticário. “E esse processo de transformação fez com que obviamente nós mudássemos um pouco a nossa visão daquilo que a gente deveria ir buscar. O que é muito bacana, porque sempre fizemos essas mudanças por vontade e não por necessidade. A gente sempre mudou não por simplesmente entender que algo não estava indo tão bem, mas porque entendíamos que a gente pod ia fazer melhor”, sublinha.

O valor da experiência
E deu no que deu: o Boticário é um dos maiores varejistas do Brasil e do mundo. É a maior franquia de perfumaria do planeta, com o maior em número de PDVs ao redor do globo, entre todos os varejistas especializados. “O varejo está no nosso DNA. É o que a gente gosta de fazer. É claro que também gostamos de outras coisas, mas aqueles 30-60 segundos na frente do consumidor, que efetivamente definem o resultado da partida, estes não têm preço. Você pode investir milhões em pesquisa. Mas, se você não souber encantar o consumidor naqueles 60 segundos, você jogou tudo fora”, pondera o executivo, sem esconder a emoção.
“Essa é a parte dinâmica do processo, porque você tem que encontrar soluções diferentes para ter produtos cada vez mais atrativos e, por meio da venda deles, conseguir remunerar todo mundo bem. Então, sempre nos preocupamos em lançar e mostrar nossos produtos de forma diferente”, salienta Artur.

Sem exagero algum, pode-se dizer que O Boticário é um dos pontas de lança na evolução do varejo brasileiro. A empresa imprime uma nova dimensão a essa dinâmica, mostrando que por trás da “lojinha” existia uma ciência muito grande. Assim, esse singelo espaço passou a ser encarado como um conjunto harmônico no qual instalações, produtos e atendimento interagem por meio de uma estratégia pensada para sempre oferecer a melhor experiência ao cliente.

E Artur Grynbaum preconiza que isso vai ser cada vez mais constante, e vai acontecer numa velocidade muito maior. “Outro motor disso, obviamente, vai ser o acirramento ainda maior da competição pelos consumidores. Então, cada vez mais você vai ter que se diferenciar, não só por seus produtos, como também pelos formatos do varejo e pelas novas experiências que ele terá que ser capaz de proporcionar. Some-se a isso o fato de que há muitas marcas estrangeiras chegando. Algumas batem e voltam, outras ficam, mas, enfim, contribuem para que o consumidor tenha uma percepção melhor do serviço que ele deve receber, do produto que ele deve comprar. E isso eleva a barra da competitividade, o que para nós é muito bom”, conclui.


Pensamentos de Artur Grynbaum sobre...

REDESENHO DA EMPRESA NOS ANOS 1990
“Mexemos em tudo na organização. Foi um processo marcante. Mudamos o jeito de gerir, o jeito de distribuir e ofertar ao consumidor... Tudo isso ao mesmo tempo. Para mim, a agilidade que O Boticário tem hoje nasceu da sementinha que foi colocada naquele momento . Foi uma experiência muito rica, e também de muito trabalho.

CONSTITUIÇÃO DO GRUPO BOTICÁRIO
“Foi não só a oportunidade de mostrar que a gente podia fazer novos negócios, mas também de mostrar para as pessoas que estão com a gente que o céu não é o limite do que podemos fazer aqui dentro.”

TRAJETÓRIA E TRANSIÇÃO

“Coisas que você faz de um jeito novo sempre dão um friozinho na barriga. Mas, no final das contas, essa é a garantia de que você está sendo ousado. Eu e o Miguel somos sócios desde o início dos anos 90. A gente sempre trabalhou em conjunto. O Miguel sempre gostou mais de marketing, produto e fábrica. E eu sempre gostei mais de finanças e vendas. Então foi o casamento perfeito. Com o crescimento, fomos mexendo na nossa estrutura, afunilando para que o pessoal entendesse melhor a hierarquia de comando. Eu passei por várias áreas aqui dentro: fui diretor financeiro, diretor comercial, acumulei Marketing, RH... Consegui passar por todas as áreas. E aí, em 22 de fevereiro de 2002, quando eu fui a vice-presidência, já existia um plano para que alguns anos depois a gente fizesse a mexida para que o Miguel fosse para o conselho e o grupo. Mas como vice-presidente, a parte operacional já estava sob o meu comando. O que fizemos foi aplicar a governança correta para todo mundo enxergar o papel de cada um na estrutura.”

MOMENTOS MARCANTES
“Quando ganhamos em 2006 o prêmio de melhor varejista internacional na NRF. Eu ia há muito tempo para a NRF e nenhuma palavra sobre o Brasil. Começamos a inserir o País, primeiro uma palestra, uma outra participação e, depois de alguns anos, nós ganhamos. Eu fico sempre muito orgulhoso quando estou numa plenária com 3 mil pessoas e vem um “bam-bam-bam” fazer uma apresentação e, de repente, ao mostrar o que vê de mais inovador em melhores práticas do varejo no mundo, aparece uma foto d’O Boticário na tela. É um orgulho muito grande.”

PRÓXIMA DÉCADA
“A proposta é fortalecendo cada vez mais nossas posições. O Boticário vai continuar sendo líder mundial em franquias de perfumaria e cosméticos. Vai ganhar mais destaque ainda no ranking das marcas mundiais. O trabalho que está sendo feito já é alvo da admiração de várias companhias e vários contatos que nós temos. Mercado internacional pela força, não pelo aumento de presença. Já o Grupo Boticário vai ganhar uma formatação bastante interessante, baseada em diversos tipos de oferta para as consumidoras. Nós vamos ajudá-la a buscar a beleza do jeito que ela quer.”

MISSÃO E MOTIVAÇÃO
“Nosso foco e preocupação é em sermos os melhores, e não os maiores. O que temos conquistado em ganho de share é fruto do trabalho que o time está realizando ao longo do tempo. E, a partir daí então alcançar mais consumidores. Ao longo desses 35 anos e do tempo que estou na companhia, muita coisa passou pela minha cabeça. Mas, às vezes, me pego pensando na dimensão que conseguimos alcançar com o nosso trabalho. O Miguel queria ter uma farmácia. Eu queria ter umas ‘lojinhas’. Juntamos as duas coisas, e acabou resultando num monte de ‘lojinhas’ a partir de uma farmácia. A gente podia imaginar o tamanho que a gente ia chegar? Acho que não. Por mais otimista que a gente fosse. Mas sabíamos do carinho, da dedicação que a gente colocava nas coisas. E isso nos permitiu chegar até onde estamos hoje, nesse lugar de destaque.”

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