Caindo do salto

Novos processos sobre a relação entre três blogueiras de beleza com uma varejista especializada reacende a questão: Qual o papel dos blogs nas estratégias de comunicação e marketing das empresas, e qual o limite na relação entre as duas partes?

Em setembro de 2012, o Conar-Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária- passou a investigar, a pedido de consumidoras, a relação de três grandes nomes dos blogs de moda do país- Mariah Bernardes, Lala Rudge e Thassia Naves- com um dos mais importantes nomes do varejo cosmético do mundo, a Sephora.
Segundo o órgão, a hipótese de que as meninas estariam fazendo uma propaganda disfarçada de informação, sem deixar claro para as consumidoras de que aquilo seria um post pago ( também chamado de publipost), foi levantada pela coincidência de datas e expressões utilizadas pelas três na divulgação de itens da marca Yves de Saint Lorent, assim como pela menção de “not for sale” na embalagem do produto, o que demonstrava que ele era destinado a uma campanha promocional, e principalmente pelo link direto com o endereço eletrônico da Sephora para a compra do produto.

O interessante deste caso é que, além de ser o primeiro da história do Conar envolvendo essa plataforma de comunicação, ele também reacendeu uma antiga discussão sobre a relação blogueiros/empresas. O mercado de moda e beleza provavelmente foi o mais afetado pela onda de diários virtuais surgidos na última década. Aqui no Brasil, meninas de todos os cantos do país, pertencentes às mais diversas classes sociais, passaram a escrever diariamente sobre sua rotina pessoal e de beleza, se tornando críticas vorazes ou defensoras incansáveis de marcas de roupas, cosméticos e lojas. O ponto crucial da história é que, em determinado momento, esses diários, que nasceram para ser um espaço de expressão de ideias e opiniões pessoais, passaram a ser acompanhados de perto por milhares de outras garotas, que levam em consideração as dicas dessas “amigas virtuais” que tanto admiram, para montar seus looks e escolherem produtos. As blogueiras passaram de meras meninas que expõem suas opiniões sobre marcas que admiram à formadoras de opinião, que possuem forte poder de influência no modo de consumo de suas leitoras.

Os blogs e o mercado
Obviamente que o crescimento dos blogs não passou despercebido pelo mercado publicitário e pelas grandes marcas. Hoje os principais blogs do país, principalmente os que falam sobre moda e beleza, são forrados de propagandas, sendo que esse veículo passou a ser parte importante da estratégia de marketing de muitas empresas. Porém, o problema não está no anúncio. O que tem dado o que falar na blogosfera e que já estampou as capas de jornais de todo o país, é o fato de que diversas blogueiras postam textos e informações que vêm das assessorias de imprensa e acabam indicando os produtos de seus anunciantes como se fosse uma “dica de amiga”. As meninas também recebem presentes das empresas, os chamados “jabás”, e em troca postam elogios à marca sem nem ao menos indicar para a leitora de que aquilo é um publipost.

Não é a toa que esse virou um negócio rentável. De acordo com um levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo com 12 agência de marketing digital, um blog com 40 mil acessos diários pode faturar de R$15.000 à R$80.000 mensais. Alice Ferraz, proprietária da assessoria de imprensa da área de moda e beleza Ferraz Moda, enxergou toda a potencialidade financeira desse canal e criou o F*Hits,  primeira network de blogs de beleza do Brasil. A página congrega os 24 melhores blogs de moda e beleza do país, e de acordo com a sócia fundadora da rede, Carol Quinteiro, foi desenvolvido para valorizar o trabalho das blogueiras, auxiliando-as na busca e na manutenção dos anúncios, sendo que dessa forma, elas ficam mais a vontade para lidar somente com a parte editorial e de conteúdo do blog.

Um dos blogs que está envolvido na investigação do Conar, o blog da Mariah, faz parte da rede de Alice Ferraz. Carol Quinteiro se apressa a explicar que a rede em si nada tem a ver com história, e que as blogueiras são responsáveis pelo conteúdo de suas páginas, porém também defende Mariah ao dizer que o erro da blogueira foi somente não ter indicado que aquilo era um publipost. “A Mariah possui um histórico com a Sephora de uma parceria muito bem-sucedida, e ela, em alguns momentos, fala da marca espontaneamente, nada a ver com o briefing que ela recebe da assessoria, pois ela sempre usou a marca”, esclarece Carol.

Para ela o caso está longe de causar algum problema para as blogueiras ou para esse tipo de veículo, pelo contrário, ele só vem enriquecer a discussão e ressaltar a importância dos blogs para a comunicação contemporânea. “Em um primeiro momento, eu acredito que o envolvimento do Conar vem contribuir para dar a importância que os blogs precisam ter, já têm e vão ter cada vez mais em todo o contexto da comunicação”, destaca.

A opinião de Sandra Tacla, assessora de imprensa da Tacla Consultoria de Comunicação, vai ao encontro da de Carol Quinteiro. Segundo a assessora, o advento da internet revolucionou a forma como se faz comunicação e, hoje, os blogs são parte importante da relação entre empresas e consumidores. “Os blogs se transformaram numa ferramenta de informação e um canal de relacionamento entre a empresa e o consumidor. Eles informam a experiência e a visão dos influenciadores, por este motivo, possuem um papel relevante na comunicação informal,” ressalta a assessora.

O poder da confiança
Fica fácil entender porque as empresas estão mais interessadas no que as blogueiras postam, do que nos próprios anúncios das páginas. Tara Hunt, especialista canadense reconhecida globalmente como uma das pioneiras em marketing social, explica em seu livro O Poder das Redes Sociais, que a principal moeda da rede é a confiança (que ela denomina de whuffie), e que esse fenômeno das redes sociais veio só comprovar o que já se sabia: que o boca-a-boca é a melhor forma de ganhar consumidores. Nesse contexto, os blogs se apresentam como um veículo que une o poder da indicação pessoal, com um alcance ilimitado.

Nesse caso a influência e o poder da confiança não somente trouxeram benefícios aos blogs de beleza, mas também deu poder para as anti-blogeiras. No ano passado, surgiu o Shame on you, blogueira, um blog mantido pela mineira Priscila Rezende, conhecida como Titia Shame, que tem como objetivo destronar as rainhas da beleza na web e revelar todas as suas gafes: desde os looks cafonas, passando pelo show de horrores no “toscoshop”, pelos erros crassos de português, até chegar na crítica ferrenha aos jabás. Hoje, Titia Shame goza da confiança de mais de 40 mil pessoas que já curtiram sua página no Facebook, e foi ela quem descobriu e denunciou em seu blog o caso das blogueiras com a Sephora, assim como incentivou seus seguidores a fazerem a denúncia no órgão que regula a atividade publicitária brasileira.

Priscilla, que já teve um blog de moda, acredita que dentro desse segmento ainda há um grande despreparo não somente por parte das blogueiras, mas também das assessorias de imprensa, que acabam não deixando claro como a informação deve ser postada de forma a não confundir o leitor. Porém, Aline Marques, sócia fundadora da assessoria Prestige, defende a classe ao dizer que a relação das assessorias de imprensa com as blogueiras é de respeito e profissionalismo, e que essa plataforma é trada como qualquer outro veículo de comunicação, ou seja, como um espaço para a divulgação de informação, porém, ela se diz contrária à prática de compra de posts. “Tratamos os blogs com respeito e reconhecemos nele uma nova ferramenta de divulgação, mas sou contrária à compra de posts. Enviamos kits de produtos, a blogueira tem a liberdade de avaliar e dar sua opinião real após experimentar o que foi enviado, assim como ocorre com a imprensa,” pontua a sócia fundadora da Prestige. 

O caminho para a regulamentação
Fato é que tanto os que se posicionam a favor das blogueiras quanto os que estão contra elas concordam em um aspecto: o canal virou coisa de gente grande, e deve passar por um processo de regulamentação. A responsável pelo Shame on you, blogueira acredita que somente os blogs profissionais irão conseguir crescer e se estabilizar dentro do ambiente publicitário. “Acredito que haverá uma regulamentação e uma consequente profissionalização dos blogs. Só os sérios e profissionais sobreviverão no mercado publicitário,” explica.

Carol Quinteiro, do F*Hits, compartilha a opinião de Priscila, e explica que existem muitas blogueiras que realizam trabalhos muito consistentes e profissionais, entretanto, ela acredita que algo que dificulta a atividade dessas blogueiras sérias é a quantidade excessiva de blogs de moda, que nascem e morrem na mesma proporção. “Hoje, o mais prejudicial para o pessoal que trabalha de forma séria é essa onda de que é moda ser blogueira, ficou a impressão de que isso é uma coisa simples, que qualquer uma pode se tornar uma blogueira da noite para o dia, e não é isso, os blogs sérios possuem uma história, um histórico, eles têm já alguns anos de atuação e a gente criou o F*Hits para preservar e engrandecer os blogs que realmente merecem,” explica.

É impossível negar a importância que os blogs possuem para a comunicação. Essa ferramenta está em total sintonia com uma geração que passa boa parte de sue tempo conectado. O que se discute agora, é quando surgirão regras claras que possam nortear as pessoas que vivem de gerar conteúdo para essa plataforma, e como casos como esse, que envolveu a Sephora, podem auxiliar no desenvolvimento de regras que agreguem qualidade às informações e conteúdos que circulam na rede.
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