Inovação não pode ser só discurso

Por que um dos segmentos que mais cresce no Brasil tem dificuldades na implantação da gestão de inovação?
                      
 
Nos últimos tempos, o termo “inovação” tornou-se a palavra mais usada na retórica corporativa empresarial. Ele recebe, atualmente, uma relevante importância na oratória dos CEOs e não pode faltar em seus relatórios anuais e em suas promessas apaziguadoras junto aos acionistas. Essa atitude, entretanto, não configura uma farsa. Muito pelo contrário, é revestida da maior boa intenção e do entendimento de que a inovação é a única saída no sentido de promover, de forma própria, a ampliação da receita e satisfazer os anseios constantes por lucratividade dos investidores. O crescimento orgânico de excelência também é um fator importante para a valorização de uma empresa nos mercados de capitais, uma vez que se trata de uma forma que, além de resultar na melhoria do desempenho da empresa, agrega valor ao seu goodwill e a faz crescer sem pagar o ágio da compra de outras empresas.

O setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos tem uma previsão de que, em apenas dois anos, o Brasil vá conquistar a segunda posição mundial no consumo desses itens, impulsionado pelo crescimento do poder aquisitivo da classe média e de uma maior participação da mulher no mercado de trabalho. Entretanto, essa performance – com exceção de algumas empresas – se deve, apenas, a oportunidades temporárias de mercado, uma vez que, se dependessem da inovação para crescer, os resultados seriam bem diferentes.

Especificidades do setor
Nos últimos anos, devido a esse excelente desempenho, o setor registrou a entrada de inúmeros investidores vindos de diversas outras áreas, tais como a financeira, farmacêutica, de alimentos, proteína animal e por aí vai. Embora muito bem-sucedidas nos seus segmentos de origem, essas empresas altamente experientes e com muitos especialistas em planos de negócios, análises financeiras, administração de marketing e comercial, nunca transitaram profissionalmente por caminhos tão profundos do emocional humano como os que envolvem o setor cosmético.

Na maior parte dos casos, os executivos ainda não entenderam exatamente onde estão e como podem implementar essa atividade dentro da corporação. Alguns acham que ainda estão nas suas antigas companhias e pensam em inovação apenas como uma unidade de P&D localizada em algum lugar da fábrica e, portanto, não conseguem instituir os mecanismos capazes de implantá-la de forma efetiva e permanente. A questão é como transformar a intenção em realidade. E pouquíssimas empresas conseguem realmente esse feito: aproximadamente 2% produziram resultados concretos, lucrativos e com processos específicos adequados.

É importante ressaltar que não basta somente fazer altíssimos investimentos e ter a melhor boa intenção. É preciso saber como fazer, pois já foi comprovado que a maioria das empresas que gastaram mais em P&D nem sempre são as que obtiveram os melhores êxitos no lançamento de produtos revolucionários, tecnologias inéditas e um novo modelo de gestão de negócio capaz de surpreender a concorrência. Isso advém do fato de que, nessas empresas, inovação é simplesmente um discurso institucional despojado da competência fundamental necessária.

No mercado atual, no qual qualidade não é mais a única locomotiva que reboca os negócios – e devido ao fato de as novidades terem tomado a sua dianteira –, as empresas devem compreender e implementar corretamente a inovação, ou podem acabar se tornando simplesmente um exemplo histórico de negócios mal-sucedidos.

Como absorver o conhecimento?
Para encarar essa especificidade do segmento, bem como para fazer fluir a inovação e tomar a liderança, é necessário que a empresa tenha uma administração com forte compreensão da importância conceitual dos produtos, principalmente no que se refere à sua sublimidade, seus aspectos emocionais, arte e moda, elementos fundamentais para sensibilizar o imaginário feminino. Fica muito difícil para quem não é da área se dar conta e a devida importância a essas questões do universo da intimidade, intangíveis no seu aspecto emocional e decisivamente concretas nos resultados que produzem.

Basta uma análise rasa do mercado para sentir a diferença no comportamental de compra das consumidoras, uma vez que para vender ações, remédios, molho de tomate ou carne, não se precisa de apelos emocionais tão intensos. Na verdade, quando uma mulher vai comprar remédio ou um alimento, isso é para ela mais um problema do que um prazer, muito diferente de quando vai as compras em busca de um cosmético. Mesmo que este seja um simples esmalte para unhas, devido ao fato de ter uma relação prazerosa com a categoria, ela vivencia um momento intimamente particular, de alegria, de renovação da sua autoestima e “esquecimento” temporário de seus problemas.

As empresas que não possuem essa expertise, ou que são mais investidoras do que empreendedoras no setor, ou, ainda, que têm um olhar voltado para a questão econômica e não necessariamente para o entendimento e a satisfação do cliente, devem delegar essas tarefas a profissionais especialistas, capazes de gerar ideias de grande sucesso, que cheguem até mesmo ao ponto de desvalorizar os concorrentes.

O problema é que a maioria dos CEOs instituídos pelos investidores vêm, também, de outros segmentos, mas se acham na obrigação e com capacidade suprema para opinar e decidir sobre todos e quaisquer temas, até aqueles que não são do seu conhecimento. Na maioria das vezes, não abrem mão nem mesmo de uma opinião “assassina”, ainda que ela venha arruinar todo o projeto. Administrar é saber que antes de tomar uma decisão é preciso ter conhecimento de causa, que centralizar nem sempre gera o melhor resultado e, ainda, que saber delegar não é uma demonstração de incompetência e, sim, de entendimento, atitude básica para se gerenciar qualquer coisa.

Contratação de pessoal, a chave do negócio
A contratação de profissionais da área também é uma tarefa complicada e, na maioria das vezes, acaba tendo resultados pífios, pois identificar capacitação específica  para essa tarefa talvez seja o trabalho mais difícil para o investidor. Isso porque ele não depende somente da análise padrão do RH referente a diplomas internacionais, quantas línguas o candidato fala ou que experiência em grandes empresas ele tem, mas depende, acima de tudo, da comprovação de resultados e da capacidade de promover lucros surpreendentes.

É preciso compreender que um especialista que saiba como criar produtos inovadores pode aprender tudo sobre gerenciamento de produtos em pouco tempo. Mas, se não for criativo, nem mesmo um PhD em administração com vários cursos no exterior e anos de dedicação terá habilidade de conduzir a empresa à criação de produtos diferenciados. Ou seja, não adianta passar a responsabilidade para profissionais que não conheçam as nuances da questão, que não tenham habilidade para estabelecer relações e detectar oportunidades para tirar proveito delas, atitudes que fundamentam e movem qualquer processo criativo.

Se a empresa tem sob sua administração uma área de Desenvolvimento que somente produz pequenas mudanças nos produtos ou processos existentes, ou que resulta em ideias insossas e consequências insuficientes para justificar uma inovação, o melhor é começar demitindo o diretor responsável pelo setor, pois ele é incapaz até mesmo de perceber onde estão os seus próprios problemas.

Além da mesmice
A maioria das equipes de gerenciamento de produtos seguem os caminhos da administração teórica, sem aplicar o raciocino criativo para fazer algo diferente. Elas sobrevivem e se protegem em seus empregos por detrás de pesquisas de mercado, que sempre são usadas para justificar seus fracassos e a sua inabilidade para inovação. Afinal, esses estudos são “provas” indiscutíveis de que aquilo que fizeram é o que o líder de mercado faz. Consequentemente, não estão errados. Só que o máximo que conseguem realizar com esse trabalho sistemático são produtos do tipo “me too”, que não ajudam a empresa em nada surpreendente, a não ser evitar que os gerentes de produtos enfiem a corda da incapacidade inovativa no pescoço.

Pegar carona nos produtos líderes, na mídia que os suporta, em seus conceitos, atributos, ativos e design é um hábito que maioria das companhias nacionais tem, pois é mais barato, mais fácil e garantido. Entretanto, a inovação pode levá-los muito além da mesmice. E elas só não tomam esse rumo por não saberem como. Preferem esperar que as empresas que investem em desenvolvimento desbravem o caminho, para que, depois, elas possam passar tranquilas com sua cópias, mais baratas.

O que precisa ser compreendido é que nesse segmento os consumidores reagem de maneira muito acentuada às novidades e, por isso, a questão da inovação torna-se muito importante e deve acontecer com uma dinâmica criativa intensa e com uma frequência muito rápida.

Os consumidores de personal care estão sempre em busca de novidades e não compram produtos somente porque o antigo acabou. Compram porque desejam experiências inéditas que renovem os seus sonhos. Está comprovado que uma das maiores influências na compra de cosméticos no segmento está na promessa do produto, ou seja, na sua história, seus atributos e todos os seus aspectos inovadores.

Os profissionais que migram para essa área precisam enxergar o segmento cosmético e o fenômeno da beleza e do seu consumo muito além do enfoque da racionalidade tecnocrata. Eles têm que possuir uma vivência social mais estética e cosmopolita, além da consciência de que é no íntimo e pelos caminhos de suas experiências e de seus afetos que as consumidoras fazem suas escolhas. E mais: devem compreender que moda e arte são matérias relevantes na compreensão do comportamento dos clientes, pois a moda responde à necessidade constante de modernização, enquanto a arte é o canal por onde transitam os sonhos e a percepção do sublime. Ambas conduzem o produto para além de sua condição funcional, adicionando valor simbólico e identidade emocional.

Para a corporação implementar tais características em seus produtos, ela deve impor ao marketing uma reavaliação profunda na percepção do imaginário de seus consumidores. A empresa como um todo deve capacitar-se emocionalmente, de forma simultânea, adotando uma alma sensível ao tema, por meio da contratação de profissionais inspirados, capazes de criar inovações apaixonantes, repletas de magia e permeadas de apelos emocionais, pois é bom lembrar que seduzir é mais uma arte do que uma ciência.

Se a organização quer crescer no segmento cosmético, precisa saber que o mercado é extremamente competitivo. E, para se tornar uma líder, precisa criar muita diferença, pois as gôndolas estão com seus espaços abarrotados de produtos similares. Em outras palavras, para que produtos novos  tomem o espaço de outros, têm que demonstrar alto nível de inovação. E quem os fabrica não deve esquecer que terá de vencer também os milhares de concorrentes que estão na fila para entrar.

Lindas empresas, belos prejuízos
Algumas empresas de cosméticos lançam produtos com conceitos frágeis, sem nenhuma inovação percebível, e ficam sustentando sua demanda com mídias de alta audiência. No início, ocorre um crescimento acentuado nas vendas. Mas, com o tempo, esses produtos começam a amargar uma queda vertiginosa de consumo, e o gestor não compreende o porquê. A resposta está na falta de inovação, pois a manutenção do sucesso não depende somente da mídia. Esta pode ajudar muito enquanto existirem consumidoras interessadas em conhecer o produto. Porém, na sequência, partem em busca de outros sonhos mais inovadores.

Serviços profissionais capacitados, na maioria das vezes, somente são solicitados quando a empresa está em sua fase terminal. O que ao mesmo tempo sempre surpreende e entristece é deparar com instalações maravilhosas, fachada em blindex, recepção em granito, grande área construída e equipamentos industriais dos mais modernos convivendo com um estado falimentar irrecuperável. Certamente, se tratava de uma obra que nasceu como fruto de um grande sonho, edificada com muito sacrifício e carinho. Entretanto, com uma administração desorientada e focada naquilo que é realmente importante ser construído e em que ordem.

Essas companhias – em sua totalidade nacionais – empregaram quase todos os seus recursos em instalações e esqueceram de investir em inovações. Quando os resultados não acontecem e a inércia se estabelece, vão buscar socorro nas alternativas do marketing. Mas já é tarde demais. Ter capacidade operacional própria é importante e imprescindível para aumentar a margem de lucro e evitar ruptura na entrega do produto. Contudo, de que adianta ter uma linda fábrica, se não se tem o mercado? Aliás, muitas empresas com diversas marcas inovadoras e de sucesso nem fábrica têm – terceirizam sua produção.

De quem é a responsabilidade?
Em momentos como esses, é comum os CEOs se omitirem e imputarem às áreas comerciais a responsabilidade pelo fracasso nas vendas. Porém, isso pode ser consequência de uma análise equivocada. Se a empresa não ofereceu à sua equipe produtos realmente inovadores e com capacidade de fazer da abordagem aos clientes um sucesso de vendas, a culpa não é do vendedor, mas de alguém lá em cima no topo da pirâmide, acima do diretor comercial.

Assim, antes de tomarem suas decisões no sentido de promover o crescimento da empresa, os administradores devem definir anteriormente qual o caminho a ser tomado por ela, guiando-se principalmente pela posição que deseja que esta ocupe no futuro em relação à sua concorrência. Se a opção for pelas trilhas da inovação e a mecânica estiver emperrada pelas inoperâncias já relatadas, o melhor será recomeçar a implementação do zero. Mesmo que, para isso, tenha que se subverter todas as regras, quebrar todos os pratos e destruir para reconstruir.

* Carlos Machado é consultor em Marketing com especialização em cosméticos.

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