Josie Peressinoto Romero: Quem disse que não dá?

Desde 2010, Josie Peressinoto Romero vem se dedicando a fazer da Natura a empresa com o melhor nível de serviço da indústria de venda direta no Brasil. E ela vem conseguindo


Quebrar paradigmas em qualquer negócio não é fácil. E na venda direta, em questões como operação logística e eficácia de distribuição costuma ser ainda mais. Quem consegue avançar e inovar nessa seara merece todo o reconhecimento. É o caso de Josie Peressinoto Romero, vice-presidente de Operações e Logísticas da Natura, terceira maior fabricante global de cosméticos do canal de venda direta.

Graduada em Engenharia de Alimentos, Josie sempre teve em mente uma carreira na área de Supply Chain. A vontade de entender como as coisas funcionavam, como eram as fábricas e o processo logístico, já existia antes da faculdade. “A escolha acadêmica, na verdade, veio por essa fascinação com a área”, conta. Quando deixou a universidade, ingressou como trainee na Unilever, onde teve uma carreira longa, sempre na área de operações e logística.

Ao gosto pelas disciplinas de Supply Chain se soma a paixão da executiva de trabalhar com gente, uma qualidade bastante importante em áreas operacionais, nas quais é preciso habilidade para comunicar-se, motivar e liderar pessoas com diferentes níveis culturais e socioeconômicos; de profissionais de níveis elevadíssimos e com muita experiência até jovens operadores que atuam nas linhas de produção.

Experiência na fábrica
Após se formar, a área industrial foi a primeira disciplina com a qual teve contato. E em pouco tempo já tinha a gerência de uma fábrica sob sua responsabilidade. “Foi uma experiência que marcou a minha carreira inteirinha. Tive a oportunidade de entender como é mágico, conseguir com que as pessoas, quando bem orientadas e estimuladas, se movam na direção que o negócio necessita. E numa fábrica as reações - para o bem ou para o mal - são muito instantâneas. Você consegue tirar o melhor e o pior das pessoas num ambiente industrial.” A vivência na fábrica lhe deu um rico aprendizado sobre como trabalhar e motivar pessoas muito diferentes. E a oportunidade de gerenciar uma operação do início ao final, como se fosse uma unidade de negócios. “Todas as suas habilidades de liderança vêm à tona. Liderando uma fábrica eu consegui , realmente, desenvolver a grande maioria das capacidades gerenciais de liderança que eu usei e venho usando na minha carreira”, pontua Josie.

“Jeitinho” brasileiro com eficácia americana
Ainda na Unilever, a atual vice-presidente da Natura viveu outra experiência marcante na sua carreira, ao assumir uma cadeira de diretoria na operação da empresa nos Estados Unidos. Como em qualquer país estrangeiro em que você vá trabalhar, é natural um choque de cultura. “Foi uma mudança total, profissional e pessoal porque levei minha família. Uma nova fase da minha vida e vivi intensamente esse período fora do Brasil. Aprendi demais e ainda descobri que tenho uma capacidade incrível de me adaptar a culturas e sociedades diferentes”, lembra.

Josie já havia tido experiências de trabalho temporárias na Europa e América Latina, mas nos Estados Unidos ela realmente pode vivenciar a cultura por inteiro. E apesar de atuar na mesma empresa que trabalhava aqui no Brasil, a diferença dos processos e a maneira como as pessoas tomavam as decisões eram nitidamente diferentes. Em sua passagem em terras estadunidenses, Josie participou de duas grandes empreitadas, como ela conta: “O primeiro foi junto com o varejista Wal-Mart, o principal cliente da empresa, e nós desenvolvemos um projeto lindo de sustentabilidade. E o outro foi um trabalho interessantíssimo com a cadeia de sorvetes da América do Norte. Era uma cadeia super complexa, com um número muito grande de produtos, fábricas, centros de distribuição... Eu fiz um trabalho de racionalização e redesenho de supply chain lá.”

Duas diferenças chamaram a atenção da executiva entre Brasil e EUA. “Do ponto de vista de infraestrutura logística, foi muito mais fácil fazer o que eu tinha de fazer lá do que seria no Brasil. Eles já têm uma rede muito bem estruturada, um nível de automação, de integração nos principais centros de logística. Por outro lado, senti uma falta de sensibilidade em alguns momentos comparado com o Brasil. Por aqui você sempre acaba dando um jeito para que a coisa saia, consegue desafiar a pessoa e mudar o processo de uma maneira muito mais rápida. Nos EUA tive uma dificuldade logo no início, porque as coisas não rodavam na velocidade que esperava. Achava que o senso de urgência era menor. No Brasil, por sempre termos passado por tantas crises a gente se adapta mais rápido e muda mais rápido. Talvez a sociedade americana seja um pouco mais estável, e para mim parecia uma sociedade mais inflexível, no sentido profissional também. Mas, rapidamente, a gente aprende como fazer.” Ao mesmo tempo em que se adaptou, Josie acredita que os três anos em que atuou por lá foram suficientes para que o seu time - as pessoas que estavam diretamente envolvidas com ela - também se adaptassem ao seu estilo e aprendessem, em um processo de mão dupla. “Acho que deu uma boa mistura entre o jeito brasileiro flexível de fazer com as qualidades que eles têm de infraestrutura.”

Vontade de aprender
Em setembro de 2010, Josie inicia o seu ciclo na Natura como diretora global de planejamento logístico, uma área crítica em qualquer negócio, e ainda mais numa operação de venda direta. Depois de quase duas décadas atuando na cadeia de produção e de suprimentos de uma empresa de varejo, Josie se deparou com uma nova realidade. “Dediquei-me muito para aprender a dinâmica do negócio de venda direta, quais eram os valores percebidos para os nossos clientes e como a logística da Natura poderia realmente ganhar o jogo e agregar valor à marca Natura. Esse foi o grande desafio no primeiro ano.”

Passado a fase inicial de aprendizado e aculturamento, surgiu outro grande desafio: fazer com que as pessoas que estavam na empresa, em todas as áreas e não apenas os colaboradores que atuavam na sua equipe, acreditar que era possível sim, num modelo de venda direta, mesmo com toda a capilaridade de distribuição, atingir um nível de serviço excepcional. “Toda a defesa era a de que o modelo era muito complexo e existia uma série de desculpas, que racionalmente até faziam sentido, de por que a Natura não entregava aquele serviço “’uau’.” Foi a hora de começar a quebrar alguns desses paradigmas, de assumir que existem particularidades do modelo de vendas porta a porta que não iam mudar. E que a Natura tinha de ser a melhor empresa de serviço apesar disso. “Começamos a questionar nosso processo de planejamento, o que tínhamos de fazer com os fornecedores para melhorarmos o serviço de uma forma muito perceptível. Porque, naquela altura do campeonato, o incremental já não servia mais. Tinha de ser uma mudança muito impactante”, lembra. “Foi um trabalho muito legal, árduo, mas conseguimos. Hoje a gente entrega para todos os municípios do Brasil. Chegamos a mais lugares do que os Correios”, comemora.

Nos últimos quatro anos, Josie e sua equipe conduziram uma revolução nos processos de planejamento, operação e integração com a área comercial da Natura. Com isso, a empresa conseguiu uma cadeia bastante resiliente e, ao mesmo tempo, flexível. “Se hoje eu vendo mais do produto A ao invés do produto B, eu sou capaz de atender essa variação de demanda. No passado isso era bem mais difícil. Acho que o maior aprendizado desse trabalho foi criar uma cadeia realmente integrada - dos fornecedores até o consumidor final - com uma resposta rápida e ágil de todos os elos dessa cadeia, que está preparada para atender ao consumidor. Esse foi o grande segredo, a construção de um fluxo de informações numa cadeia bastante flexível para atender às nossas consultoras.” Fazendo um paralelo com o varejo, o modelo da Natura é hoje muito mais puxado, em que a demanda da consultora e do consumidor é que determina o funcionamento da cadeia. “Tenho um planejamento básico de venda, mas ele é continuamente atualizado e replanejado de acordo com o que está sendo vendido.” As áreas de Operações e Logística e Comercial da Natura trabalham numa relação de confiança muito grande em relação a como enfrentar os problemas. E a postura de ambas as partes é sempre com muita transparência em relação a qual a saída para o cliente final, para a consultora.

Os quase R$ 1 bilhão investidos em infra estrutura e bens de capital pela Natura em 2013 e 2014 – a maior parte sob responsabilidade de Josie – foram direcionados pensando nas necessidades das consultoras e consumidoras, levando as operações da companhia para mais perto das suas bases de clientes. Há sete anos a Natura só tinha um centro de distribuição em Cajamar e outro em Minas Gerais. Assim, em algumas regiões do Brasil a entrega levava dez, 15 dias. Hoje, com oito CDs espalhados pelo Brasil, nos grandes centros a Natura se compromete a entregar em 48 horas no máximo.

Todos esses pontos podem ser muito bem resumidos nos indicadores alcançados pela Natura na área de operações e logística, como os 96% de entregas realizadas no prazo, 35% das quais em até 48 horas; a diminuição de 33% de duração do ciclo do pedido da consultora entre 2011 e 2013; e uma queda de 70% no mesmo período nas rupturas para as consultoras. Números de se tirar o chapéu em qualquer setor e em qualquer ponto do planeta. A maior descentralização da rede logística e do próprio abastecimento da empresa, de quebra, contribuiu para que a Natura fosse a primeira empresa de cosméticos Carbono Zero em todo o planeta.

Costurando a cadeia
Em julho do ano passado, Josie ganhou novos desafios na Natura, assumindo a vice-presidência de Operações e Logística da empresa brasileira. E entre diversas funções sob o seu guarda-chuva, está o relacionamento com a cadeia de fornecimento. Azeitar esse relacionamento foi fundamental para dotar a operação da empresa de flexibilidade e agilidade para responder à demanda. E também para viabilizar seus planos de ser mais ágil no processo de desenvolvimento de produtos. Essa (re)aproximação com a base de fornecedores é fundamental na indústria cosmética, já que muitas vezes são esses fornecedores que viabilizam as inovações ou os conceitos desenhados pelas marcas. “Um trabalho que a gente faz e valoriza muito na Natura – e eu vou falar por esses quatro anos que estou aqui – é que com nossos parceiros fornecedores, tentamos sempre trabalhar com eles e evolvê-los o mais cedo possível na cadeia de criação do produto.”
Depois que o produto está lançado, existe um trabalho contínuo de compartilhamento das informações de desempenho desse produto com o fornecedor. Com isso, eles conseguem entender para onde vão os volumes. “Os fornecedores são parte integral da minha cadeia de valor. Realmente acreditamos na relação de transparência com eles, uma verdadeira parceria de troca, compartilhamento, de envolvimento prévio e feedback constante. Só com fornecedores extremamente bem engajados, e tecnicamente competentes, é que eu consigo prestar alto nível de serviço.”

Rede Natura
O projeto do Rede Natura é sem dúvida, um das maiores inovações no modelo de venda direta das últimas décadas. Depois de um longo período como piloto em cidades do interior de São Paulo, o programa foi estendido para todo o estado e está agora em fase de expansão para os outros estados. Mas, apesar da complexidade das operações que envolvem o projeto, elas não são um empecilho para o seu roll out. A ciência do modelo está na combinação do digital com a venda direta tradicional. E para a vice-presidente da Natura o grande desafio é como combinar potencializar esses dois canais. “Por isso que estamos fazendo as coisas com o devido cuidado. Não é por uma restrição logística, mas sim um cuidado em relação a um modelo tradicional de venda direta e como fazer com que eles somem, não se canibalizem.” Josie explica que todo o desenho da logística da Natura nos últimos quatro, cinco anos, já previa uma granularidade e uma capilaridade maior. Para que no futuro a empresa possa entregar ao consumidor final também. “Quando posicionamos nossos oito CDs dentro da malha do Brasil, cada um deles em uma capital, já tínhamos em mente poder entregar em, no máximo, 48 horas para os nossos clientes. E a gente quer continuar desafiando esse limite de tempo cada vez mais.”

O futuro
Entregas com drones, pick and place, pontos alternativos de retirada? O futuro caminha para novas e inovadoras possibilidades nos modelos de distribuição e entrega para o consumidor. E como a Natura lida com essas possibilidades? Para Josie, esse é um caminho sem volta. Cinco anos atrás era inimaginável a Natura se ver onde estamos hoje em relação às coisas que a gente já faz”, acredita a executiva que diz ter várias ideias engatilhadas para fazer mais rápido e melhor a entrega para os consumidores nos próximos anos. “Em entregas, nós já temos modalidades fantásticas e uma série de outras iniciativas, até na área de sustentabilidade com veículos alternativos, para que a gente consiga chegar mais rápido e de uma maneira mais sustentável.”

Ao olhar o papel da área de operações e de supply chain no contexto atual e futuro da indústria de beleza, Josie acredita que inovar continuamente e fazer mais com menos serão regras fundamentais. “Conseguir integrar todas as entidades na cadeia, de quando o produto é pensado até chegar ao pós-venda, quando o consumidor liga para reclamar ou para elogiar no meu SAC. Isso ajuda a criar inteligência e traz agilidade para o processo. Geralmente os processos físicos são os que o supply chain gerencia, ou seja, comprar, produzir, distribuir, entregar… Tudo isso é tempo. E esse tempo tem de ser minimizado ao máximo. E a área que consegue fazer isso dentro de qualquer empresa é supply chain. Hoje vejo a área extremamente inovadora, criativa e trazendo valor para os negócios. Toda vez que olho o meu papel e do meu time para a Natura, penso em como a área vai conseguir materializar o valor da marca, os conceitos da empresa, a essência nos nossos produtos e serviços. Cada caixa que é entregue, a maneira como ela foi entregue, como os produtos estão dentro dela, isso é o valor percebido da marca. Quem não usar o supply chain dessa forma, não precisa dele. Mas, quando ele tem um papel dentro da empresa, que é habilitador da essência, da visão da empresa, acho que esse é o parceiro que a gente precisa ter mesmo”, finaliza.

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