Potencial marinho

Potencial marinho
Vindos de uma fonte interminável, ingredientes oriundos da vida marinha já estão presentes em produtos cosméticos, que, hoje, estão mais voltados para a eficácia. Já o apelo de ter “origem do mar” ainda é pouco explorado 


Variedade sem fim. Esta é uma colocação que se encaixa perfeitamente quando falamos do tamanho da vida existente nos mares. Muito já foi descoberto, porém, uma quantidade interminável de vida natural – entre animais e algas, por exemplo – ainda permanece totalmente desconhecida. Há dados, por exemplo, que indicam que 95% de todo o oceano não teria sido nem explorado, ou ainda, apontam que 2/3 da vida marinha ainda não foi identificada. São números que demonstram o que o mar ainda pode oferecer. Ainda assim, como dito, muita coisa já é conhecida e são utilizadas para as mais variadas funções. Embora não seja algo tão presente, principalmente no Brasil, o mercado cosmético é um dos que já exploram os benefícios que os recursos marinhos oferecem, a fim de descobrir aquilo que pode vir a ser útil em termos de propriedades para um produto de beleza.

Algumas companhias de matérias-primas do setor exploram o oceano e já realizaram descobertas interessantes. Normalmente são algas que, de acordo com suas características, podem gerar ativos que também são conhecidos no mercado como “ingredientes azuis”. Mesmo já sendo possível encontrar produtos à venda que detenham algum componente oriundo do mar, esses ingredientes ainda não passam de uma tendência – por enquanto – dentro do setor de beleza. Mesmo aquilo que já está à disposição no mercado, o fato de haver no produto algum ingrediente marinho não é algo que receba tanta atenção das empresas para explorar isso como um claim. O que já existe à disposição no mercado está voltado para eficácia, e quase nada ao apelo de ter vindo do mar. Mas esta questão ainda é discutível, ou seja, é um ponto que pode ser explorado pela indústria cosmética caso utilize um ingrediente desta natureza. Afinal, de alguma maneira, o consumidor tem priorizado aquilo que é natural e isso pode perfeitamente caber dentro dos cosméticos.

Apelo mercadológico
Só pelo fato de ser natural, esses ingredientes azuis já possuem um grande apelo. Esta é a visão compartilhada por Eulalia Alastuey Sanchez, gerente de Vendas e representante da Algea, uma companhia norueguesa – adquirida em 2002 pelo Grupo italiano Valagro – que possui uma expertise de mais de sete décadas no mercado de algas. Durante todos esses anos, a empresa explora as particularidades oferecidas pela alga marrom chamada Ascophyllum nodosum e, a partir dela, oferece ativos com benefícios para a pele e também para o mercado alimentício. Por conta de seu know-how internacional, Eulalia conta que cada país explora de maneira diferente o fato de haver um ingrediente ocêanico em seus produtos.

Segundo ela, que também é engenheira agrônoma, isso depende da empresa que está explorando e também do momento de Marketing. “Digo que fazer uma promoção de um ingrediente que vem do oceano é fazer promoção de um ingrediente completamente natural. Então, não usa-se tanto pelo fato de vir do mar. Esses efeitos anticelulíticos, antirrugas, calmantes, podemos obter com qualquer ingrediente sintético. Porém, o fato de ser natural é como um ponto de força. O fato de vir do mar já é um elemento mais de Marketing. Mas há gente que está concentrada em ingredientes naturais, mais do que ocêanicos”, contextualiza Eulalia, que aposta que os ingredientes naturais têm ganhado cada vez mais espaço no mercado cosmético, justamente por conta da alta busca pelo “natural” atualmente. No Brasil, os ingredientes da Algea são distriuídos pela Galena. Como tem a imagem de que somos um país muito focado em beleza e de que as mulheres daqui estão sempre querendo encontrar coisas novas, Eulalia afirma que somos um mercado potencial.

Também pelo fato de se tratar de algo de nicho por enquanto, os ingredientes marinhos teriam nos dermocosméticos o caminho mais óbvio para permearem aqui no País. Porém, isso ainda não é algo muito explorado, como explica Julio Bombonati, gerente de Marketing da Univar. Ele enfatiza que essa categoria no Brasil, bem como a cosmética de tratamento, é mais ligada à área médico-farmacêutica do que à área cosmética de fato. “Há muito mais dermocosméticos de farmacêuticas do que de uma origem cosmética”, exemplifica.

Barreiras para propagar

Como há muita pesquisa envolvida no processo de desenvolvimento desses ingredientes – o que exige investimentos –, o preço poderia ser um impeditivo para que produtos com ativos de origem marinha pudessem ganhar espaço no mercado de beleza. Entretanto, o supervisor de Vendas da Química Anastacio, Fernando Malanconi Teixeira, diz que preço não pode ser colocado como barreira para que estes ingredientes ganhem mais espaço no Brasil. Para ele, por normalmente se tratarem de produtos novos, a falta de informação e divulgação pode representar esta dificuldade. A fornecedora de matéria-prima distribui uma alga azul, cujo as mudas são retiradas do mar e cultivadas em estufas por uma empresa da Riviera Francesa. Desta alga, é retirado um extrato que é usado na fabricação de um antirrugas, que estimula a produção de colágeno.

Fernando ressalta que trata-se de um produto de nicho e que a ideia de ser algo “vindo do mar” talvez ainda não esteja claro na cabeça de algumas pessoas do mercado e do público final. “Temos os mesmos problemas de falta de harmonização de conceito com o orgânico, com o natural, com nanotecnologia. Hoje, no Brasil, já temos muito bem definido o que é nanotecnologia e o que é orgânico. Há várias vertentes de produtos do mar. Não tem nada muito claro”, compara. A Química Anastacio tem procurado propagar esta tecnologia desde 2015 e aproveitou a edição deste ano da FCE para difundir este trabalho. De acordo com Fernando, durante a feira, foi possível despertar interesse em clientes devido ao foco em atirrugas, para produtos 40+, 50+ e 60+. Entretanto, ele revela que os clientes que vêm atrás desta tecnologia estão buscando não o conceito de algas, mas sim o antirrugas e sua eficácia.

Outro ponto que poderia ser ruim junto ao consumidor em termos de imagem de um produto de origem marinha é o fato de que ele poderia fazer alguma ligação com uma sensação “pós-praia”, que não é uma sensação muito agradável se levado em consideração a pele e os cabelos. Júlio, da Univar, crê que o consumidor não remeteria esses produtos inspirados na vida marinha a essa condição pós-praia. Ele cita também que, tradicionalmente, o mercado brasileiro é follower de mercados mais desenvolvidos, como o europeu. “Na Europa, já se vê bastante produtos. Algumas marcas, como a MAC, que não é europeia, mas fez no ano passado uma coleção toda inspirada neste ambiente marinho. Quando dizemos ‘inspirada’, não necessariamente haja produtos de origem marinha, mas o claim foi inspirado. Outra marca que utiliza bastante isso é a Biotherm. Tem uma linha de antiage que fala de produtos das profundezas da água, não necessariamente marinhos”, observa o gerente. Ele completa dizendo que esta tendência ainda está chegando por aqui, talvez sem a mesma “pegada” que existe na Europa. “Mas o que o observei no Brasil é a busca por texturas mais fluídas, mais translúcidas. É desta maneira que interpreto que esta tendência esteja entrando no País”, emenda.

Por onde navegar
As marcas internacionais que exploram de alguma maneira os ativos marinhos em seus produtos estão alocados em mercados de nicho ou de luxo, mas também de nicho, e que utilizam conceitos muito bem trabalhados. O gerente da Univar indica que, ao invés de isso ser impeditivo para o Brasil, esse pode ser um caminho para este tipo de ativo ir ganhando mais espaço no País. Julio situa que cada fabricante deve encontrar uma maneira de explorar o comportamento do consumidor. Ele exemplifica como um fabricante no Brasil poderia explorar uma tecnologia inspirada na vida marinha, apontando que o consumidor hoje em dia busca em um produto um storytelling, além de esperar que contenha tecnologia, gere uma experimentação e tenha design.
“Plantas e algas têm um mecanismo de sobrevivência, que o cosmético pode se inspirar e trazer isso como uma tecnologia. Por exemplo, temos um ativo da Basf, Shadownyl, que é indicado para olheiras, bolsas e rugas, para pele ocular. A origem dele é de uma alga marinha. Mas como o fabricante de produtos cosméticos pode explorar isso? Justamente entendendo qual a história desta alga, como ela sobrevive em ambientes inóspitos, eles criam mecanismos de defesa do qual a indústria química se apodera disso e traz como benefício para um cosmético. Se o fabricante olhar sob esta ótica, ele pode contar um storytelling do produto dele e isso passa a ser muito interessante para o consumidor”, pondera Julio, que considera que os dermocosméticos hoje estão aliados basicamente apenas à eficácia, deixando este storytelling para segundo plano.

A partir da alga Ascophyllum nodosum, a Algea desenvolveu três ativos cosméticos: Esthe Cream – Ecocert, que visa uniformizar o tom da pele; o Esthe Fucose – Ecocert, um anti-irritante para peles sensíveis e que tem poder calmante na pele; e o Algea Esthe Powder – Ecocert, um anticelulítico natural. Segundo Eulalia, já foram realizados diversos testes in vitro e in vivo para comprovar a eficácia de cada ativo. A gerente de Vendas explica também que a Galena fica responsável por fazer a promoção em farmácias de manipulação e na indústria no País, e faz uma revelação. “Tudo é mais rápido por meio das farmácias, entretanto, os volumes são menores. Quando uma farmácia pensa em formular um creme para o rosto, ou anticelulite, e nós temos todas as formulações, ela já começa a utilizar os ingredientes. Com a indústria é mais difícil, pois há um caminho a fazer, tem os registros, por exemplo, e isso leva alguns anos para se fazer”, sintetiza.



Vindo do mar
Uma das marcas que tem usado ingredientes marinhos de maneira mais avançada dentro do mercado cosmético é a Biotherm. A marca que compõe a Divisão Luxo da L’Oréal explora a biodiversidade aquática já há algum tempo e, a partir desta pesquisa, tem em seu portfólio diversos ingredientes marinhos, conforme destaca Adriana Vieira, especialista em skincare da L’Oréal Luxe. Um deles é o Laminar ia Ochroleuca, uma alga do mar celta que resiste a fortes correntezas do oceano e enrijesse a pele do corpo; a L Digitata é uma alga marinha da costa do Atlântico, que possui ação anti-inflamatória e visa combater a bactéria que causa a acne na pele; e a P antártica é um microorganismo no coração do gelo da Antártica, cuja a função é manter água no interior da célula, reabastecendo a pele de água.

Adriana explica que Biotherm foi a primeira marca a trazer ativos aquáticos em cosméticos. Ela cita também o extrato puro de plâncton termal, descoberto há mais de três bilhões de anos nas profundezas das águas termais. “Este ativo tem total afinidade com a pele, com propriedades calmante, regenerativa e protetora, hoje com a tecnologia azul”, considera. Segundo a especialista, a experiência da marca em transformar os ativos aquáticos em frescor e texturas agradáveis para uma beleza sustentável, exalta a crença da marca na eficácia dos ativos, seguro, puro e que revela um prazer sensorial único em suas texturas para uma vida saudável. “Biotherm acredita na beleza sustentável. Hoje muitas consumidoras e consumidores são adeptos da vida saudável, preservação do meio ambiente, embalagens simples, puro, ativos com afinidade com a pele”, finaliza.
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