Sinal aceso

Medidas anunciadas pelo governo no início do ano colocaram o mercado de beleza em alerta com relação ao futuro do setor. Se as expectativas para 2015 já eram ruins, agora elas são quase que totalmente negativas entre as companhias
 

O dia 19 de janeiro de 2015 já se encaminhava para seus últimos instantes. Mas as últimas horas da data ainda guardaria uma surpresa para o mercado cosmético. Isso porque o Governo Federal anunciaria ainda naquela noite uma série de medidas que colocou todos os envolvidos neste mercado em sinal de alerta. Entre as mudanças, a medida equiparou a cobrança do IPI do atacadista ao industrial – no caso de empresas do mesmo grupo econômico, não das que são multimarcas –, com uma previsão de impactar o setor em R$ 381 milhões entre junho e dezembro deste ano, de acordo com estimativas do governo. Em 12 meses, expectativa é de incremento de R$ 653 milhões, segundo o Ministério da Fazenda. Mas para a principal entidade que representa o setor, a Abihpec – Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, o impacto de R$ 1,5 bilhão para este mercado.

O novo modelo de cobrança vai impactar diretamente companhias que fazem a chamada venda interna, da indústria para suas próprias distribuidoras e, daí, para os clientes. Além disso, outras medidas foram anunciadas na data, como o aumento da CIDE – o imposto sobre combustíveis –, o aumento do PIS/Cofins para importação e do IOF em operações de crédito ao consumidor inferiores a 365 dias.

Apesar da aparente surpresa do mercado com o anúncio, as empresas cosméticas já tinham ciência de que isso poderia acontecer a qualquer momento, pois muitos boatos já assolavam o setor. A partir de então, o que se viu foi um monte de dúvidas e incertezas em todos os elos que compõem este mercado. Todos aguardavam pelo diálogo com o governo, algo que, de certa forma, sempre fez parte da realidade deste mercado de beleza. Enquanto isso, a Abihpec adotou cautela antes de qualquer oficialização e procurou se arquitetar, armando uma comitiva com diversos representantes de companhias do setor para ir à Brasília conversar com Jorge Rachid, secretário da Receita Federal, a fim de mostrar os impactos negativos sobre o setor e a sociedade com o aumento da carga tributária.

Esta comitiva esteve na capital federal no dia 29 de janeiro, ou seja, dez dias após o anúncio. Porém, era tarde demais, já que, na edição do Diário Oficial da União daquele mesmo dia, foi publicado o decreto presidencial 8.393, que altera o modelo de tributação dos atacadistas e distribuidores de cosméticos controlados ou ligados à indústrias do segmento de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. A medida começa a valer a partir de maio. Na ocasião, em entrevista ao portal G1, João Carlos Basílio, presidente da Abihpec, falou que a mudança poderá aumentar em 12% os preços dos produtos de empresas afetadas. A grande maioria das categorias de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos será impactada pelo novo modelo. “Demonstramos nossa indignação com o fato de o decreto ter sido publicado sem que tenhamos sido convidados para discutir nada. Estamos chocados, abalados”, disse ao portal.

Na mesma época ainda, o governo enviou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 668/15, que eleva para 2,1% e 9,65%, respectivamente, as alíquotas de contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a importação de mercadorias. Com a edição da MP, as mercadorias importadas pagarão, em regra, 11,75% (soma das duas alíquotas) de PIS e Cofins. A cobrança também começa em maio. O texto da norma, porém, traz percentuais específicos para alguns tipos de produtos, como Produtos de perfumaria, toucador e higiene pessoal, que tinham uma alíquota de 12,5% e que passará a 20%.

De acordo com Vanessa Miranda, especialista em Tributos Diretos da Thomson Reuters no Brasil, o governo indicou que o intuito da majoração foi de evitar que a importação de mercadorias passe a gozar de tributação mais favorecida do que aquela incidente sobre os produtos nacionais, desprotegendo as empresas instaladas no País, tornando-se necessário elevar as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação. “O aumento, segundo mencionam, apenas repõe a arrecadação dessas contribuições ao patamar existente previamente à decisão do STF, que declarou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo dessas contribuições e à consequente alteração legislativa”, emendou.

Saem as dúvidas, entram os temores
Com a publicação do decreto 8.393 no DOU, o temor quanto ao futuro de muitas empresas do setor começou a tomar conta do dia a dia de muitos. Diversas companhias passaram a dizer que o setor foi penalizado pelo governo com essas medidas, alegando que, pelo fato de se tratar de um mercado que vem crescendo e que quase sempre passa imune perante às crises, o governo sentiu-se no direito de “usá-lo” para conseguir melhorar sua arrecadação. Mas a grande realidade é que esta questão da “venda interna” tratava-se de uma distorção existente em termos de IPI, que de certa forma prejudicava a competição com os distribuidores multimarcas. “No que se refere às alterações de IPI, haverá impacto, pois quem antes não pagava IPI, passará a pagar. Todavia, o IPI é somado ao preço da mercadoria, portanto, apesar de a empresa recolher aos cofres públicos, o valor é repassado para quem compra. No que se refere às pequenas companhias, conforme explicação do governo, a ideia é oposta, ou seja, é torná-las mais competitivas”, enfatizou Daniela Geovanini, gerente de Tributos Indiretos da Thomson Reuters no Brasil.

Outro fato verídico é que nosso mercado é composto em sua maioria por pequenas e médias, que têm sua devida importância para o desenvolvimento do setor, e estas serão as que mais sofrerão com esta nova realidade daqui para frente.

A Bio Extratus, uma empresa mineira de médio porte, lamenta por estas mudanças e as considera como um retrocesso no setor de cosméticos, pois afetará seu sistema de distribuição. “Este sistema é o elo da cadeia que leva as mercadorias até as regiões mais difíceis de entregas. As medidas impactarão para baixo os negócios dos distribuidores, já que estes deixarão de investir em equipes de trabalho e gerarão menos empregos em função do recuo da demanda pela compra de cosméticos. Em alguns casos, tanto a Bio Extratus quanto seus distribuidores localizados nas principais cidades do País, poderão ter de fazer ajustes internos e reduzir investimentos previstos para os próximos anos”, avalia Gessy Alves, consultor comercial e contábil da Bio Extratus, apontando ainda que as famílias e os postos de trabalho também sofrerão as consequências desta medida do governo.

Em qualquer meio empresarial é sabido que, para encarar de frente tempos difíceis e de crise, é preciso estar ao menos com uma condição financeira razoável, se possível contando com uma caixa satisfatório para qualquer urgência. Entretanto, a realidade de várias das empresas citadas anteriormente não é exatamente esta.
Mesmo sabendo deste cenário, Cesar Tsukuda, diretor Comercial da Ikesaki, mantém a esperança, porém com ressalvas. “Acredito que sempre há soluções e o mercado de beleza sempre tem achado-as nos últimos anos. Acho que cada um vai entender seu momento e pegar o caminho que enxerga como o melhor. A grande preocupação é que pela primeira vez, em 18 anos em que estou no setor, tenho escutado vários empresários falarem de forma sequencial que irão demitir. Desta forma, acredito que faremos o País sofrer duas vezes e quem vai pagar o preço disso no final é a população, o consumidor. Num primeiro momento em função dos aumentos de preço e no momento seguinte por desemprego. Este é um setor que emprega uma mão de obra imensa, não só a indústria, mas também a parte de serviços. É um setor que gera muitos empregos, inclusão social... e de uma certa forma, o sentimento, conversando com vários empresários do setor, é que começarão a demitir”, lamentou o dirigente.

Um empresário carioca que atua na indústria cosmética disse acreditar que essas medidas acarretarão em reflexo imediato no mercado, bem como no ponto de venda. Segundo ele, estima-se um impacto de 30 a 40% de aumento de preço no PDV. “Logicamente as menores empresas serão mais impactadas, principalmente no cenário de juros alto e redução de crédito. Uma pena, um País que não estimula o empreendedorismo e as pequenas/médias empresas não será nunca um país competitivo”, criticou.

Inevitável repasse
Como dito, uma das principais consequências desta medidas deve chegar também ao bolso do consumidor. Com as mudanças, todos os representantes do setor acreditam que o aumento de preços no ponto de venda será inevitável. Na visão de outro dirigente de mais uma companhia de médio porte paulista, “a situação só tende a piorar com o aumento de preço, ainda mais em um ano difícil e recessivo que nos aguarda. Repassando o preço, deverá acontecer uma queda de volume. É preciso estar em uma condição comercial melhor. Para as empresas médias, será pior ainda porque elas costumam ficar mais frágeis. Nós das médias empresas somos pressionados, pois não conseguimos repassar os preços, principalmente nas grandes redes. Os nossos custos são muito em dólar e a gente não está conseguindo repassar isso, somado à crise elétrica, custo de matéria-prima, etc. É difícil repassar”, escancarou.

Cesar, do Ikesaki, também observa que o cenário econômico vivido pelo País tem tudo para trazer ainda mais dificuldades para o mercado. “É certo que haverá um aumento de preço. E isso em um momento em que nossa economia não está com esta robustez toda. Já estamos sentindo no começo deste ano uma dificuldade de obter crescimento e de melhorar o movimento das lojas”, relatou. O dirigente de um dos principais varejistas de beleza do Brasil revelou ainda que, por meio de contato com a indústria cosmética antes mesmo do anúncio feito pelo Governo Federal, já era consenso de que todos já enfrentavam dificuldades.

“Com o aumento ficará um cenário bastante incerto. Há um sentimento grande de injustiça entre os empresários sob dois aspectos. Primeiro porque o imposto do setor já é alto; e o segundo ponto é onde queremos chegar, pois o governo alega, de certa forma, que este é um setor que cresce e que não é impactado por crises. Quer dizer então que os setores que fazem seu trabalho e seus investimentos corretos e que fazem o setor crescer, devem ser penalizados? Todos temos de trabalhar para ficar ruim? Tudo isso me parece algo um pouco do avesso. Ao invés de termos uma discussão de como podemos crescer – pois o setor é maduro para discutir isso –, estamos falando de formas de penalizar o setor. E justamente em um momento em que tudo o que não poderíamos discutir era retração”, indagou Cesar.

Representatividade de fachada?
Para qualquer categoria trabalhista que está em busca de interesses próprios, ter um representante político atuando em Brasília é fundamental. Mas é claro que não é só isso. Contar com uma entidade representativa, com bons contatos e articuladores, é outro ponto-chave. No caso do mercado de beleza, a Abihpec tem este papel. A associação, por sua vez, acredita que, sempre que necessário, foi ouvida por representantes do governo, a fim de defender os interesses do setor. Entretanto, na visão do dirigente da companhia carioca, esta realidade é bem diferente do que a teoria. “A Abihpec na prática não representa o setor, e sim poucas empresas que são de grande porte. Não há força política, nem uma estratégia de fomento a novos empreendedores e de proteção à indústria. Parece a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), com ‘cartolas’ que estão lá a vida inteira usufruindo e sem estimular e proteger o setor”, comparou.

Outro empresário paulista, por sua vez, faz questão de defender a entidade, dizendo que a Abihpec tem o seu papel e o cumpre. Ele crê que o problema resida no fato de o mercado estar muito dividido e também na falta de um representante político. “Não há uma unidade para que possa juntar tudo, pois há outros setores que não estão na Abihpec e que por isso não são representados. Falta mais unidade para poder fortalecer esta representação. Por exemplo, hoje, a nossa representação política não conseguiu segurar este aumento. A Abihpec faz o papel dela, é uma entidade que representa diversas empresas. E quando digo que falta unidade é porque há empresas grandes que atuam na Abihpec e individualmente também, buscando seus interesses e isso tira um pouco da força”, rechaça.

Ações e atitudes
Para este e para o ano anterior, a palavra de ordem dentro do mercado era cautela. A partir de agora para o setor cosmético, com esta nova realidade, além de parcimônia, as companhias terão de manter a cabeça no lugar para colocar em uso a estratégia mais adequada. O dirigente carioca ressalta que há uma enorme preocupação dentro de sua companhia e afirma que está planejando uma mudança brusca devido ao pequeno prazo estabelecido para que as medidas entrem em vigor. “Três meses é um prazo muito curto, para o giro de capital de uma empresa. Simplesmente um absurdo”, complementou. Enquanto isso, o empresário de São Paulo diz que sua empresa está buscando redução de custos e aumento de eficiência, procurando inclusive novos fornecedores para melhorar a operação. “Isso passa por todos os elos da cadeia, fazendo com que pressionemos nossos fornecedores a reduzirem preços e aumentarem prazos, para podermos nos segurar no mercado. É algo em cadeia”, relembrou.

A análise de Cesar Tsukuda também é de preocupação quanto ao futuro, independentemente das ações tomadas pelas companhias. “Há uma expectativa muito grande, pois isso pode ser uma semente muito ruim para o mercado nos próximos anos. Volto a destacar a preocupação com as pequenas e médias empresas, não só pelo fato de elas eventualmente não aguentarem, mas nos últimos anos elas têm investido bastante em novos produtos e em distribuição, além de movimentarem o mercado. Em uma análise fria, você diz: ‘vou repassar ao consumidor e está tudo certo’, mas não é tão simples assim. O que provavelmente vai acontecer é algumas indústrias terão de absolver parte destes aumentos e isso impacta diretamente em resultados e em poder de reinvestimento. E isso, a longo prazo, condena o futuro do setor”, lamentou ele.
 
 


Particularidades do Decreto nº 8.393/15
 
- Medida atinge operações de atacadistas e distribuidores ligados à indústrias de beleza;

- Impactará boa parte das empresas do setor – especialmente as de médio e grande porte – que mantém suas próprias operações de atacado e distribuição e fazem a chamada venda interna;

- Empresas cosméticas que operam como distribuidores e terceirizam a produção dos seus produtos e distribuidores de produtos importados também são enquadrados no novo modelo;

- Medida não vale para distribuidores e atacadistas independentes;

- Ministério da Fazenda diz que arrecadação será de R$ 653 milhões em 2016; enquanto que a Abihpec fala em impacto de R$ 1,5 bilhão para o setor;
Distribuidores (ligados à indústria) vão precisar recolher o IPI sobre a diferença entre o preço de compra e venda dos produtos impactados pela nova medida;
Impactará empresas de todos os canais de distribuição, já que muitas que operam na venda direta ou no modelo de franquias, também atuam com o modelo de venda da própria fábrica para a própria distribuidora;

- A mudança se aplica tanto às operações de terceirização no qual o cliente faz as compras de insumos e as repassa para o terceirizador, quanto para o modelo “full service”;

- As novas regras valem inclusive para os itens de higiene pessoal e beleza de marcas próprias de varejistas;

- Os distribuidores de produtos importados (ou fabricantes que eventualmente façam a importação de alguns itens específicos) também são abarcadas pela novo modelo.
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