Sofisticação em tempos de grana curta

Sofisticação em tempos de grana curta
As brasileiras continuam fazendo um movimento em direção às fragrâncias mais sofisticadas. Para equilibrar o gosto mais caro com menos renda, elas estão diminuindo a frequência de compras da categoria 


Mesmo com pouco dinheiro no bolso, as brasileiras seguem consumindo os perfumes mais caros. O movimento pode ser considerado positivo, afinal, é um claro sinal de que as consumidoras elevaram o seu padrão de consumo e não estão dispostas a baixá-lo.

De acordo com dados da Kantar Worldpanel, empresa que faz pesquisa de consumo nos lares brasileiros, o crescimento da categoria de perfumaria na Venda Direta vem se dando pelo aumento do ticket médio. Ou seja, as pessoas estão comprando os produtos mais caros do portfólio (ou pagando mais por eles). Com isso, a participação dos perfumes considerados premium nas vendas da categoria no canal superam a marca de 80%.
O movimento de premiumnização da perfumaria brasileira não é recente, mas ele se intensificou fortemente desde o início desta década.

Líderes do mercado, as brasileiras Natura e O Boticário têm apostado claramente em fortalecer seus respectivos portfólios na faixa mais alta de preços. E esse movimento acaba, quase sempre, por trazer novidades para o mercado brasileiro. É o caso de Esta Flor, a nova marca de perfumaria da Natura, cuja inspiração veio da perfumaria de coleções monotemáticas, que mesmo lá fora são bastante nichadas, e focam em uma faixa de consumidores que de fato conhece e gosta da perfumaria, sai um pouco da massificação e do ruído para trazer algo realmente diferente para o mercado.  O Esta Flor Rosa teve como ponto de partida para a criação a Bulgária. O país dos balcãs é único local no mundo onde é possível encontrar a Rosa Damasceno, “a máxima rosa da rosa”, mais perfumada e com característica frutada em evidência. Esta rosa floresce apenas uma vez ao ano nos campos da Bulgária. Sua flor deve ser colhida nas primeiras horas da manhã, para que o orvalho realce suas nuances. Manualmente, uma a uma, as flores são retiradas, para então, em um processo artesanal, se obter o óleo da rosa. “Esta Flor Rosa é uma fragrância monotema em que todas as outras notas olfativas envolvidas têm a função exclusiva de ajudar a realçar todas as nuances da rosa damasceno”, explica a perfumista da Natura, Veronica Kato.

A segunda fragrância da linha Esta Flor foi buscar inspiração na França, na matéria-prima mais valorizada da perfumaria, a íris. Com características raras e marcantes, o óleo essencial da íris é obtido a cada seis anos. Esta Flor Íris traz a combinação de um buquê elegante e fresco de cítricos e madeiras que realçam ainda mais o refinamento da Íris.

Equação delicada
Um dos reflexos importantes desse movimento é que a maior sofisticação se reflete na qualidade das composições. “É fato que investimos muito mais mesmo em fragrâncias, nos frascos... É uma perfumaria de muito mais qualidade e que conseguimos trazer num perfume acessível por R$ 158, para poder difundir e permear isso no mercado brasileiro”, explica a diretora de Perfumaria da Natura, Denise Coutinho (na foto abaixo). Nesse sentido, famílias pouco usuais na perfumaria brasileira como chypres (talvez a família que mais venha ganhando destaque nos lançamentos mais sofisticados do País), orientais e as madeiras – no caso das mulheres – ganham espaço no portfólio das principais empresas do setor. Mesmo os florais, ainda bastante presente, são construídos em versões mais poderosas e opulentas para atender às novas demandas dessa faixa de consumo. Naturalmente, as criações são adaptadas ao gosto da consumidora local e, por isso, costumam ser versões mais light na comparação com criações de marcas europeias, por exemplo, ou parte de uma composição Floral.  Ainda assim, trata-se de um movimento bastante relevante e mostra um maior aculturamento da população local em relação à perfumaria, bem como a disposição de experimentar coisas novas de uma parcela relevante das consumidoras, que seguem migrando para as faixas de produto mais caras da categoria.

Nos últimos dez anos, o mercado se sofisticou muito. Para dar vazão, foi preciso incorporar novos caminhos olfativos à paleta da perfumaria brasileira. “Fomo deixando de criar apenas floraizinhos e o frutaizinhos, de uso mais diurno, para cheiros mais sofisticados”, lembra Denise. Mas a executiva da Natura explica que é preciso trazer novos caminhos olfativos, mas sem ferir o DNA da marca que está sempre associada ao frescor – uma herança que todo o mercado brasileiro traz, especialmente pelas águas de colônia que dominaram os anos 1980. “O perfume Luna, de 2014, é um chypre moderno e adequado ao mercado brasileiro. Ele tem um frescor de saída mas é uma fragrância super opulenta e é um sucesso, uma das nossas grandes apostas”, diz Denise.

A sofisticação também vem atingindo patamares mais elevados em O Boticário. Para conceber Elysée, o perfume mais caro no portfólio O Boticário – R$ 179 pelo frasco de 50 ml – foram três anos de dedicação em pesquisas, estudos e consultorias com nomes reconhecidos no mercado de produtos premium para trazer um produto que atendesse à expectativa das consumidoras por fragrâncias mais nobres. César Veiga, gerente de Avaliação Olfativa da marca, explica que a Eau de Parfum da família olfativa Chypre Floral, foi criado para ser notado. “Ele anuncia a chegada, permanece no ambiente e fica na memória após a saída”, conta. O frasco, com formato de uma joia lapidada, recebeu polimento especial, chamado fire polish, que consiste em aquecer a superfície do vidro para retirar marcas, imperfeições ou residuais do processo comum de fabricação do material. No fundo, pequenos pontos brilhantes cravejados captam e refletem a luz. Elysée é o perfume mais caro do portfólio atual de O Boticário, mas se considerado em valor por ml. O Eau de Parfum Make B. mantém o posto, com o frasco de 30 ml sendo comercializado por R$ 141.

Equação delicada
Em meio à grande crise que vivemos, desde o início do ano que muitos institutos de pesquisa vêm apontando a opção pelo primeiro preço, mas todos os players principais estão apostando em perfumes mais sofisticados e caros e não na base da pirâmide.
Se o gosto das brasileiras ficou mais refinado, a carteira já não está tão recheada para permitir grandes exuberâncias na hora de comprar. E a combinação desses dois elementos tem se refletido na queda da frequência de compras e na estagnação do volume de unidades vendidas. De modo geral, a penetração da venda direta nos lares brasileiros está caindo. Segundo a Kantar, em 2015 foram cerca de um milhão e meio de lares a menos que compraram produtos por meio da venda direta. Apenas na Grande São Paulo, entre 2010 e 2014, a penetração do canal baixou de 73% para 63%.  As informações foram apresentadas em um evento de comemoração dos 35 anos da Associação Brasileira de Venda Direta. Em meio a esse cenário difícil, Gabriela Fujita, gerente de Pesquisa da Kantar questiona: “Até que ponto (na atual conjuntura) está certo fortalecer os perfumes mais luxuosos e não as águas de colônia?”. Segundo a executiva, com base em dados do painel da Kantar, ainda existem 23% dos lares nos quais o perfume é compartilhado.

Denise, da Natura, explica que a empresa tem uma oferta de perfumes para todos os bolsos, que começa em R$ 40 e vai até os R$ 179, sendo que nos últimos cinco anos se viu um crescimento muito forte da perfumaria upper mastige e de prestígio, de qualidade e preço mais altos. Para ela, a crise ainda é recente, mas foi possível sentir no meio do ano uma pequena retração nos volumes e na penetração. Só que, até o momento, a executiva não sentiu um movimento de troca dos produtos mais caros pelos mais baratos pela consumidora. Para compensar, ela tem mudado seus hábitos, o que acaba refletindo nos indicadores da categoria. “Ele usa o produto por mais tempo, vai menos ao ponto de venda, e compra menos as novidades. Mas ela, quando vai efetivar a compra, segue comprando o produto de qualidade, ela não está baixando o padrão. Ela pode esperar até o produto acabar para comprar o outro, mas ela não baixa a qualidade do que compra”, conclui Denise.
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