Fusão Coty / P&G 3: depois da engorda, é provável que a Coty passe por uma dieta

É natural supor que, ao fim do processo de integração, a Coty abra mão de uma série de marcas do seu portfólio se dedicando cada vez mais às suas marcas de maior potencial e alcance, um processo que já havia sido iniciado inclusive.

A Coty já opera um portfólio gigantesco com mais de 40 marcas, entre próprias e licenças. Ao adquirir mais 43 da P&G, pode se dizer que o portfólio vai estar “obeso”. A título de comparação, a P&G quer concentrar esforços em 65 marcas (de todas as categorias, de medicamentos até produtos de limpeza) que representam mais de 90% das vendas de US$ 80 bilhões da empresa.

Desde o ano passado a Coty vem centrando mais esforços no que eles chamam de Power Brands, um grupo que reúne as dez maiores marcas da empresa e que responderam por 70% das vendas líquidas em 2013. A esse grupo, certamente serão adicionadas muitas outras da P&G, por isso, muita coisa deve ser vendida ou ficar pelo caminho.

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Pegue o caso da área de perfumaria. Atualmente a Coty opera 34 marcas diferentes na categoria. Destas, cinco estão no grupo das 10 maiores da empresa: Calvin Klein, Marc Jacobs, Davidoff, Chloé e Playboy. As licenças de moda e lifestyle responderam por 87% das vendas de perfumaria em 2013, mas a maior parte desse volume está concentrada nessas cinco Power Brands, especialmente Calvin Klein, de longe a maior do grupo. Com a adição de duas licenças com vendas estimadas em mais de US$ 500 milhões, caso de Hugo Boss e Dolce & Gabbana, além de Gucci e Lacoste, a nova Coty vai ter nas mãos um portfólio de grandes marcas que a permitirá, trocar o volume pela qualidade.

Gastar esforços para manter e desenvolver na perfumaria marcas como Botega Veneta, Balenciaga, Jil Sander e Escada podem não fazer tanto sentido para a Coty a partir do momento em que ela disponha de um novo grupo de marcas poderosas no seu portfólio e que precisará alocar de maneira muito inteligentes seus recursos financeiros, operacionais e criativos no desenvolvimento dessas marcas. Mas elas podem cair como uma luva no portfólio de empresas de perfumaria de médio porte como a francesa Interparfums (que comprou a marca Rochas da P&G antes da operação com a Coty) e a italiana Euroitalia. A norte-americana Elizabeth Arden – que junto com a Coty domina o cenário de perfumes de celebridades nos EUA – também pode ser um destino para algumas licenças de perfumaria. O mesmo vale para a pequena Parlux, especialmente no portfólio de marcas norte-americanas.

Apesar de representarem quase um terço do portfólio, as licenças de celebridades, um grupo que inclui nomes como Beyonce, Lady Gaga, Enrique Iglesias e Jeniffer Lopez, responderam por apenas 13% das vendas no ano fiscal de 2013, algo como US$ 325 milhões. É literalmente muita celebridade para pouca venda, embora, algumas delas cumprem um papel importante para a empresa, especialmente aqui no Brasil, com o advento da venda dos produtos da marca por meio de empresas de venda direta. Do lado da P&G a marca Gabriela Sabbatini, um grande sucesso de vendas na América Latina, é a que mais se enquadra nesse perfil.

É muito provável que parte substancial desses contratos com celebridades não sejam renovados e os perfumes simplesmente saiam de linha. Já no caso das licenças relacionadas com marcas de moda, cujos contratos de licenciamento costumam ter prazos maiores – e alguns deles estão ativos por décadas – é possível imaginar acordos de encerramento ou a venda das licenças e de seus respectivos ativos e estoques para players de médio porte.

No caso das marcas que hoje estão em poder da P&G, a transferência de certas licenças de estão sujeitas ao consentimento licenciante. O executivo Jean Mortier, responsável global pela operação comercial da Coty e que também já foi o principal executivo da área de luxo da empresa, está em conversas com as marcas – provavelmente garantindo que os principais não deixarão o negócio.

Na área de maquiagem, o portfólio atual da Coty é mais equilibrado e a adição das marcas da P&G deve gerar muita complementariedade em faixas de preço e distribuição geográfica. Ainda assim, será preciso priorizar o investimento em algumas marcas e regiões. Nesse sentido, as marcas Bourjois (francesa, adquirida pela Coty em 2014) e Max Factor, ambas fortes na região que inclui Europa, Oriente Médio e África e com posicionamento de preços equivalentes pode representar um dilema para a empresa no momento de definir qual marca terá prioridade de investimento.

E as marcas de skincare?
O papel da categoria de skincare na nova configuração será uma incógnita. Em conjunto com os produtos de banho, higiene e corpo, as vendas desses negócios geraram cerca US$ 800 milhões em vendas. Na nova configuração da Coty isso será menos do que 10% das vendas. E o maior volume desse negócio está na linha de desodorantes Adidas, uma das 10 Power Brands da atual Coty.
Durante toda a conferência com analistas, a categoria não foi mencionada e, com um portfólio tão extenso de perfumaria e maquiagem para administrar, além da adição de um negócio novo e de grande valor e complexidade, como é o caso de Wella e Clairol, não é exagero dizer que a Coty pode deixar o negócio de pele em segundo plano nos próximos anos. Apesar de ser a maior categoria global de beleza, o negócio de pele é altamente dependente do foco de inovação e investimentos pesados em P&D.

A operação de cuidados com a pele da Coty está concentrada em apenas duas marcas: Philosophy e Lancaster. Philosophy é uma das 10 marcas “poderosas” da Coty, adquirida em 2010 foi a maior aposta da empresa no segmento e, até aqui, não tem se mostrado um bom negócio para a empresa. Entre 2010, quanto foi adquirida até o fim do ano fiscal encerrado em junho de 2014, a marca cresceu apenas 3%, o que a mantém no patamar de US$ 200 milhões em vendas desde a época da aquisição. A marca oferece produtos com preço mais acessível do que as linhas de luxo tradicional, mas com posicionamento premium. Ela é vendida em redes como a Sephora, canais eletrônicos de venda como a QVS e lojas de departamento mais populares como a JC Penney e a Macys.

Já Lancaster é a típica marca de skincare de luxo europeia. Clássica e muito tradicional nos países do sul da Europa ela não faz parte do grupo das maiores marcas da empresa, mas tem um ativo importantíssimo: 60 pesquisadores e mais de 500 patentes internacionais em áreas como DNA, proteção solar e anti-idade. Lancaster – mais do que Philosophy – pode se valer da maior presença que marcas como Gucci e Dolce & Gabbana vão oferecer à Coty na distribuição seletiva europeia, especialmente por conta da expansão dessas marcas no segmento de maquiagem. Esse movimento pode dar sangue novo à marca. Mas ela pode ser também um bom alvo para empresas que queiram adentrar no segmento de skincare de luxo, especialmente para operações em ascensão na distribuição de perfumes de luxo, caso mais uma vez da Interparfums e da Euroitalia – com uma marca que traz consigo um histórico de inovações e um portfólio de tecnologia importante.

Talvez nem seja preciso esperar tanto para que os primeiros movimentos aconteçam. De qualquer forma, será muito interessante aguardar para ver quais de quais marcas a Coty vai abrir mão e, principalmente, o interesse que elas vão gerar no mercado.

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